Na busca de um direito que proteja uma parcela da população que sempre esteve às margens da sociedade patriarcal e conservadora, existe a importância de desenvolver uma jurisdição que guarde os interesses de determinados indivíduos de forma equânime. Dessa forma, sustentar que o direito seja emancipatório em todas as esferas da sociedade é de praxe fundamental para obter uma igualdade dentro dos parâmetros que são esperados da justiça. Assim, as forças jurídicas se concentram e analisam métodos substancialmente “perigosos”, isto é, dentro de uma perspectiva social que foi construída a partir de uma visão democrática liberal, que sustentou, durante muito tempo, um olhar conservador e tradicional que nunca permitiu que alguns cidadãos pudessem viver da forma que lhes era mais adequada e satisfatória.
Antoine Garapon, em sua obra “O juiz e a democracia”, ressalta a importância do protagonismo judiciário e como é fundamental que os responsáveis pela lei e a forma como ela é concebida e concedida transforme o direito em algo acessível em todas as esferas da sociedade e para todos os indivíduos que ela compõe. É nessa busca pelo direito justo, e ainda frágil, que é possível que se minimize a desigualdade visível na contemporaneidade. Não obstante, se percebe que manter o direito nas mãos protagonistas dos titulares da concepção da lei, pode permitir que se molde críticas ao redor de tal pensamento.
Ingeborg Maus em seu artigo “Judiciário como superego da sociedade”, trata desse protagonismo de uma forma diferente, indicando que o perigo ocorre na confiança de um judiciário que representa na sociedade uma figura paterna, e procede de certa forma, a visão patriarcal que sempre foi consolidada culturalmente. E é avaliando desse modo, que inicia-se uma discussão sobre como o Direito pode estar disfarçado com os moldes de uma jurisdição justa e equânime com ideais que cercam a procura por liberdade e emancipação, e que na verdade, consolida uma possível vontade de domínio e soberania perante os indivíduos e a sociedade.
É certo que se solidifica um contraste revelador entre o Direito que pode ter seu protagonismo como forma de emancipação e igualdade para todos e o Direito que domina a sociedade como um novo “pai”, que subsidia as relações não de modo que seja tutelador e sim de forma que controle e, o mais preocupante, bloqueie uma política constitucional libertadora.
“A construção de uma consciência individual passa a ser determinada muito mais pelas diretrizes sociais do que pela intermediação da figura dominante do pai, e a sociedade se vê cada vez menos integrada por meio de um âmbito pessoal, no qual se pudesse aplicar a seus atores o clássico modelo do superego. Ambas as tendências levaram a relações em que tanto o poder perde em visibilidade e acessibilidade como a sociabilidade individual perde a capacidade de submeter as normas sociais à crítica autônoma. Por isso a "sociedade órfã" ratifica paradoxalmente o infantilismo dos sujeitos, já que a consciência de suas relações sociais de dependência diminui . Indivíduo e coletividade, transformados em meros objetos administrados, podem ser facilmente conduzidos por meio da reificação e dos mecanismos funcionais da sociedade industrial moderna.” (MAUS, p.185 e 185)
Diante disso, a decisão do STF que determina a constitucionalidade das relações homoafetivas através do julgado ADI 4.277 tende a fortificar a visão de Garapon, que incide em dizer que o protagonismo dos agente da jurisdição tem como foco deixar o Direito mais plural. Garantir que todas as pessoas que compõem uma sociedade possuam a forma mais genuína de vida, sem que viole os preceitos legais exigidos pelo contrato social realizado em prol de uma jurisdição que vise a liberdade, é fundamental para consolidar a democracia que exigimos.
A democracia liberal conservadora que foi estruturada na sociedade por todo o decorrer da historicidade é equivocada, pois ela exige que se encontre nos ditames jurídicos todos os aparatos legais que assegurem a liberdade, porém, da mesma forma, faz questão de cristalizar enquanto pensamento cultural universal, preceitos que ignoram a igualdade e deixam uma parcela de indivíduos às margens do direito existente.
Visto isso, como Garapon reforça, a judicialização é um fenômeno político-social e necessita de aparatos e ações que cubram todas as necessidades de liberdade para todos os indivíduos, sem qualquer distinção. A inclusão é de extrema necessidade para realizar um Direito emancipatório e que sirva como meio de tutelar as vontades do povo com um verdadeiro foco democrático. Permitir que as pessoas vivam suas vidas de modo livre é um dever do direito e do juiz enquanto protagonista social. E proibir a constitucionalidade dos atos que não ferem a legalidade é conspirar para um judiciário patriarcal, conservador e tirânico.
Beatriz Dias de Sousa
Direito, Noturno
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