Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Garapon e Maus: a Democracia Liberal e a judicialização da sociedade


A luta pelo reconhecimento dos direitos da comunidade LGBT vem ganhando cada vez mais força na contemporaneidade. Sobretudo nas últimas décadas, muitas questões estão sendo levantadas em prol da busca pela garantia dos direitos positivados na Constituição como os de liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana.

Isso pode ser enxergado na ADI nº 4.277-DF, julgada em 2011, que trata acerca do reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. A análise desse caso teve por finalidade atribuir interpretação conforme a Constituição ao artigo 1.723 do Código Civil de 2002, que versa de forma específica sobre a união estável entre um homem e uma mulher como parâmetro para a formação de entidade familiar.

A ação teve como relator o Ministro Ayres Britto, acompanhado na votação por outros dez ministros, além da participação de diversos amicus curiae. A decisão foi favorável ao reconhecimento, por unanimidade.

O voto do relator teve por base argumentos que foram de encontro com os direitos já supracitados e foi além, afirmando que o reconhecimento da união homoafetiva seria também uma forma de combate aos “preceitos e costumes patriarcais da sociedade brasileira”.

Dentro disso, é possível captar que, a busca pelo ideal de igualdade – fato gerador da democracia – gera, concomitantemente, um fenômeno político-social analisado pelo jurista francês Antoine Garapon em sua obra “O juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas”. Esse fenômeno será denominado pelo autor como a judicialização da sociedade que tem por consequência o protagonismo dos tribunais.

A alemã, docente de Teoria Política, Ingeborg Maus, irá dissertar acerca do controle de constitucionalidade, utilizando como exemplo os Estados Unidos no século XX, onde a vasta biografia dos juízes representa o retorno mais marcante da imagem do “pai”.

Isso vai de encontro com aquilo que Garapon afirma acerca dos laços hierárquicos “naturais”, e da recriação artificial destes pelo Direito, pois “o indivíduo libera-se da tutela de seus magistrados naturais, precipitando-se naquela do juiz estatal”.  

Além disso, sobre a moral, o francês irá afirmar que, com a pluralidade, o Direito converteu-se na “última instância da moral comum numa sociedade desprovida dela”. Nisso, o autor ainda irá afirmar que “a democracia não tolera mais qualquer outra magistratura que não seja a do juiz”.

Convergindo com essa ideia, a Ministra Cármen Lúcia, em seu voto, afirmará que a intervenção sobre a liberdade do outro e a forma escolhida de se viver do outro não esbarra nos limites do Direito, e isso permite que questionemos o por quê de dar tanta importância quanto à forma que o outro vive. “O Direito existe para a vida, não a vida para o Direito”.

O autor ainda irá afirmar que a justiça é acionada para “apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno”. Por conta das viradas axiológicas que ocorrem na sociedade, há a quebra do ideal de “um mundo normativo com condutas expectáveis”; isso é perceptível, já que até duas décadas atrás, a hierarquia entre a união homoafetiva e heteroafetiva não seria algo a ser questionado, pois a sociedade vivia sob outros valores.

A imprevisibilidade das condutas sociais e a burocracia que rodeia o processo de legislar, faz com que o legislador tenha de delegar ao juiz “o cuidado de dar conteúdo aos casos”. Sob a perspectiva de Maus, isso demonstra uma crise de representatividade do Poder Legislativo. 

Na ADI é possível enxergar a omissão desse poder, pois há a necessidade de reclamar ao Judiciário, guardião da Constituição, que a norma, elaborada pelo próprio legislativo, não está de acordo com os princípios constitucionais.  

Ademais, com a judicialização, também ocorre a magistratura do sujeito, pois cada caso deve ser analisado segundo suas próprias condições específicas, e isso contribui ainda mais para a acentuação do protagonismo do juiz na resolução de conflitos. A decisão do julgado levou em conta o pluralismo e legitimou a união de uma minoria que não era representada.

Por fim, é possível concluir que a ADI foi votada, de forma justa e constitucional, favoravelmente à união estável de casais homoafetivos, e isso representa um grande passo para a comunidade LGBT na perspectiva da luta pela efetividade dos direitos fundamentais positivados; além de demonstrar um nível maior de aceitação do pluralismo e também dar voz às minorias que eram anteriormente oprimidas.

Entretanto, o julgado também concretizou as análises e conceitos formulados pelos dois autores em suas obras; suas críticas quanto à Democracia Liberal devem ser levadas em conta para que um totalitarismo legitimado não se instaure, e para que o Poder Judiciário não ultrapasse os limites do controle social, pois como afirma Abraham Lincoln em uma das máximas sobre o regime democrático: “A democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo”.


 Daiana Li Zhao - Direito Matutino - 1º ano

Nenhum comentário:

Postar um comentário