Sob a ótica de Garapon, a contemporaneidade é marcada por
um rompimento de laços sociais que corroboram em uma virtude da indiferença – termo usado pelo autor para definir o modo
que o ser abandona a coletividade e a empatia pelo próximo -, todos os
indivíduos são vistos como concorrentes, sustentando a democracia liberal e a sua constante competição. Nessa perspectiva,
a justiça torna-se um viés para amenizar o sofrimento e as demandas de
determinados grupos que são constantemente atingidos e menosprezados. Desse
modo, há um impasse entre a atuação da justiça em promover os direitos que
tendem a ser omitidos pelo poder legislativo e o ativismo judicial, o qual incide
questionamentos sobre sua legitimidade e seus limites.
A princípio, ao considerar a vivência populacional, é
nítido que alguns grupos são atingidos e injustiçados, o que os leva a recorrer
ao meio judicial para tentar suprir e apaziguar sua situação. Exemplo disso é o
caso do grupo LGBTQ+, o qual discutiu sobre a proibição da união homoafetiva –
ADI 4277 -, votada em 2011 pelo Supremo Tribunal Federal. Assim sendo, a
circunstância é condizente com a explicitada por Garapon, de modo que os juízes
tornam-se ministros da equidade,
tutelando mais que arbitrando; pois os indivíduos veem no judiciário a forma de
alcançar sua proteção. A situação se hiperboliza ainda mais quando o
legislativo age de maneira negativa, não promovendo projetos de lei que garanta
os direitos dessas pessoas. É inegável a importância de proteger e garantir a
isonomia aos cidadãos, contudo incorre no risco de se submeter ao controle do
judiciário e uma possível ditadura advinda deste – usurpando do poder
legislativo normatizando condutas conforme lhe for conveniente.
Não
obstante, contrastado a essa circunstância, a autora Ingeborg Maus aborda a
convergência entre o aumento de litigância dos movimentos sociais com as ações
do judiciário ultrapassando sua competência; há uma crise de
representatividade, de modo que os partidos não suprem as demandas e há uma
sobrecarga no judiciário. Desse modo, pode-se oferecer demasiada autoridade a
um único poder, desbalanceando a igualdade entre os poderes legislativo,
executivo e judiciário, fazendo sobrepor este último e seu ativismo. Além
disso, não há nenhuma garantia de que o judiciário irá arbitrar de maneira
justa, principalmente no Brasil em que os ministros são indicados, dificultando
a existência de uma representatividade e uma abordagem de temas complexos na
agenda – e quando há, os votos são esquivos e fortalecem as desigualdades.
Portanto,
a partir do exposto, nota-se que há dilema relativo à atuação judicial. Entretanto,
impedir a aprovação de temáticas importantes, em um contexto em que o
legislativo não oferece medidas e atrasa o direito dessa população, não é o
ideal. Deve haver pesos e contrapesos que permitam obter uma atuação com menos
vícios, para que seja possível equiparar as desigualdades e alcançar uma
sociedade isonômica. Logo, supre as demandas judiciais, além de melhorar a
consciência coletiva e a constante corrosão do caráter dos indivíduos, os quais
poderão compreender que a aprovação de direitos para outrem não gera uma
diminuição dos seus direitos – e que nem tudo deve ser ponderado na famigerada
meritocracia liberal que hierarquiza os seres e os coloca em competição – por conseguinte,
extingue a virtude da indiferença.
Bianca
de Faria Cintra - Direito Noturno, 1º Ano.
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