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segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Ativismo judicial e democracia: Uma relação perigosa


A ação direta de inconstitucionalidade  4.277, relatada pelo ministro Ayres Brito, interpretou o artigo 1.723 do Código Civil e o artigo 226 da Magna Carta, retirando desses qualquer valor e significado que impeça o reconhecimento da união entre pessoas  do mesmo sexo, como entidade familiar, sendo esta, para efeitos de lei e da vida civil, igualmente a família. Trata-se de uma interpretação por analogia, que estendeu direitos já assegurados a casais heterossexuais aos casais homossexuais.
A decisão, embora tenha um caráter social importante, e garanta direitos e uma vida digna a muitas pessoas, foi polêmica porque envolve uma intromissão do órgão judiciário nas atribuições do poder legislativo.  Fenômeno, conhecido por ativismo judicial, que suscita debates no mundo todo, e vem gerando discussões sobre sua validade ou não. Para justificar a sua decisão, uma vez que a lei explicita que família é a união entre homem e a mulher, Joaquim Barbosa diz o seguinte:

“Inicialmente, gostaria de ressaltar que estamos diante de uma situação que demonstra claramente o descompasso entre o mundo dos fatos e o universo do Direito. Visivelmente nos confrontamos aqui com uma situação em que o Direito não foi capaz de acompanhar as profundas e estruturais mudanças sociais, não apenas entre nós brasileiros, mas em escala global. É precisamente nessas situações que se agiganta o papel das Cortes constitucionais, segundo o conhecido jurista e pensador israelense Aaron Barak”

Lewandowski faz uma ponderação contrária a Joaquim Barbosa, e questiona a possibilidade de simplesmente ser utilizado uma interpretação expansiva para modificar o entendimento do Código Civil e da Constituição federal:

"Em outras palavras, embora os juízes possam e devam valer-se das mais variadas técnicas hermenêuticas para extrair da lei o sentido que melhor se aproxime da vontade original do legislador, combinando-a com o Zeitgeist vigente à época da subsunção desta aos fatos, a interpretação jurídica não pode desbordar dos lindes objetivamente delineados nos parâmetros normativos, porquanto, como ensinavam os antigos, in claris cessat interpretatio.
E, no caso sob exame, tenho que a norma constitucional, que resultou dos debates da Assembléia Constituinte, é clara ao expressar, com todas as letras, que a união estável só pode ocorrer entre o homem e a mulher, tendo em conta, ainda, a sua possível convolação em casamento."

        No julgado, mesmo os votos divergentes em partes, concordam em assegurar os mesmos direitos aos casais, independente de sua orientação sexual. No entanto, a temática foi alvo para além do debate da corte. Juristas questionaram a competência da Supremo Corte para “modificar” a Constituição e o Código Civil. Porém os movimentos sociais que pressionaram pela mudança, comemoraram a decisão. Movimentos esses que insuflam o animus litigante que acabam por convergir com o judiciário, inflando o judiciário e alimentando cada vez mais o judiciário. É um movimento de auto reprodução, o judiciário toma as decisões que alimentam e estimulam os movimentos sociais, que alimenta e estimula o judiciário que se acha cada vez mais poderoso e independente da norma Constitucional para realizar o julgamento. Com o agravante que não há mecanismos que controlem o judiciário, uma sentença que transitou em julgado com o ato jurídico perfeito não pode ser mais modificada.
       Garapon critica de maneira direta o ativismo e o excesso de protagonismo do judiciário e demonstra como o judiciário ficará hipertrofiado frente a sociedade e ao social, graças ao excesso de protagonismo atribuído a ele pelos movimentos sociais e pela sociedade:

“Pela voz do juiz, o direito se empenha em um trabalho de nominação e de explicitação das normas sociais que transforma em obrigações positivas o que era, ainda ontem, da ordem do implícito, do espontâneo, da obrigação social. A lei pede ao juiz de menores para intervir quando a saúde, a segurança e a moral de um menor estão em perigo".

        Em suma, os movimentos sociais no Brasil e no mundo, nos últimos anos, assistiram a uma série de vitórias jurídicas em pautas sociais importantes. No entanto, ao restringir ou reduzir a discussão ao âmbito do judiciário, como aponta Maus, há uma hipertrofia do judiciário. A sociedade depende cada vez mais do judiciário para resolver demandas poderiam ser resolvidas vias instituições democráticas. A ingenuidade de não identificar o perigo de um fortalecimento do judiciário e enfraquecimento das instituições democráticas pode solapar a democracia de um país.  Na Venezuela a Suprema Corte esvaziou de poderes da Assembleia Legislativa da nação. Na Rússia os tribunais condenaram vários opositores ao governo, e o mesmo aconteceu na Hungria, Polônia e na Turquia. Um dos problemas postos por Maus vem a tona, quem controlará um judiciário inflado e hipertrofiado? Evidentemente, que não será o povo. Porém, com toda essa problemáticas há decisões históricas das Supremas Cortes. Nos Estados Unidos a Corte Suprema legalizou o casamento inter-racial quando 72 por cento da população era contra, hoje o tema é pacificado e a tendência é que não haja mais divergência. Ao judiciário cabe se equilibrar entre o papel da hipertrofia desnecessária e as nobres situações em que se agiganta os papeis das Cortes constitucionais.

Ricardo da Silva Soares-Noturno

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