A ação direta de inconstitucionalidade 4.277, relatada pelo ministro Ayres Brito,
interpretou o artigo 1.723 do Código Civil e o artigo 226 da Magna Carta, retirando
desses qualquer valor e significado que impeça o reconhecimento da união entre
pessoas do mesmo sexo, como entidade
familiar, sendo esta, para efeitos de lei e da vida civil, igualmente a família.
Trata-se de uma interpretação por analogia, que estendeu direitos já assegurados
a casais heterossexuais aos casais homossexuais.
A
decisão, embora tenha um caráter social importante, e garanta direitos e uma
vida digna a muitas pessoas, foi polêmica porque envolve uma intromissão do órgão
judiciário nas atribuições do poder legislativo. Fenômeno, conhecido por ativismo judicial, que suscita
debates no mundo todo, e vem gerando discussões sobre sua validade ou não. Para
justificar a sua decisão, uma vez que a lei explicita que família é a união
entre homem e a mulher, Joaquim Barbosa diz o seguinte:
“Inicialmente, gostaria de ressaltar que estamos diante de uma situação que demonstra claramente o descompasso entre o mundo dos fatos e o universo do Direito. Visivelmente nos confrontamos aqui com uma situação em que o Direito não foi capaz de acompanhar as profundas e estruturais mudanças sociais, não apenas entre nós brasileiros, mas em escala global. É precisamente nessas situações que se agiganta o papel das Cortes constitucionais, segundo o conhecido jurista e pensador israelense Aaron Barak”
Lewandowski faz uma ponderação contrária a Joaquim Barbosa, e
questiona a possibilidade de simplesmente ser utilizado uma interpretação
expansiva para modificar o entendimento do Código Civil e da Constituição federal:
"Em outras palavras, embora os juízes possam e devam valer-se das mais variadas técnicas hermenêuticas para extrair da lei o sentido que melhor se aproxime da vontade original do legislador, combinando-a com o Zeitgeist vigente à época da subsunção desta aos fatos, a interpretação jurídica não pode desbordar dos lindes objetivamente delineados nos parâmetros normativos, porquanto, como ensinavam os antigos, in claris cessat interpretatio.
E, no caso sob exame, tenho que a norma constitucional, que resultou dos debates da Assembléia Constituinte, é clara ao expressar, com todas as letras, que a união estável só pode ocorrer entre o homem e a mulher, tendo em conta, ainda, a sua possível convolação em casamento."
No
julgado, mesmo os votos divergentes em partes, concordam em assegurar os
mesmos direitos aos casais, independente de sua orientação sexual. No entanto, a
temática foi alvo para além do debate da corte. Juristas questionaram a competência
da Supremo Corte para “modificar” a Constituição e o Código Civil. Porém os
movimentos sociais que pressionaram pela mudança, comemoraram a decisão. Movimentos
esses que insuflam o animus litigante que acabam por convergir com o
judiciário, inflando o judiciário e alimentando cada vez mais o judiciário. É
um movimento de auto reprodução, o judiciário toma as decisões que alimentam e
estimulam os movimentos sociais, que alimenta e estimula o judiciário que se
acha cada vez mais poderoso e independente da norma Constitucional para realizar o julgamento. Com o
agravante que não há mecanismos que controlem o judiciário, uma sentença que
transitou em julgado com o ato jurídico perfeito não pode ser mais modificada.
Garapon
critica de maneira direta o ativismo e o excesso de protagonismo do judiciário e
demonstra como o judiciário ficará hipertrofiado frente a sociedade e ao social,
graças ao excesso de protagonismo atribuído a ele pelos movimentos sociais e pela sociedade:
“Pela voz do juiz, o direito se empenha em um trabalho de nominação e de explicitação das normas sociais que transforma em obrigações positivas o que era, ainda ontem, da ordem do implícito, do espontâneo, da obrigação social. A lei pede ao juiz de menores para intervir quando a saúde, a segurança e a moral de um menor estão em perigo".
Em suma, os movimentos sociais no Brasil e no mundo, nos últimos
anos, assistiram a uma série de vitórias jurídicas em pautas sociais importantes. No
entanto, ao restringir ou reduzir a discussão ao âmbito do judiciário, como
aponta Maus, há uma hipertrofia do judiciário. A sociedade depende cada vez mais
do judiciário para resolver demandas poderiam ser resolvidas vias instituições
democráticas. A ingenuidade de não identificar o perigo de um fortalecimento do judiciário
e enfraquecimento das instituições democráticas pode solapar a democracia de
um país. Na Venezuela a Suprema Corte esvaziou
de poderes da Assembleia Legislativa da nação. Na Rússia os tribunais
condenaram vários opositores ao governo, e o mesmo aconteceu na Hungria, Polônia
e na Turquia. Um dos problemas postos por Maus vem a tona, quem controlará
um judiciário inflado e hipertrofiado? Evidentemente, que não será o povo. Porém,
com toda essa problemáticas há decisões históricas das Supremas Cortes. Nos
Estados Unidos a Corte Suprema legalizou o casamento inter-racial quando 72 por
cento da população era contra, hoje o tema é pacificado e a tendência é que não
haja mais divergência. Ao judiciário cabe se equilibrar entre o papel da
hipertrofia desnecessária e as nobres situações em que se agiganta os papeis das Cortes constitucionais.
Ricardo da Silva Soares-Noturno
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