A
concepção mais apregoada entre os teóricos marxistas acerca do direito é a de
que ele se manifesta, sobretudo como um mero reflexo das relações econômicas,
uma vez que este mantém os status quo da superestrutura econômica, no sentido
de nada mudar, somente resguardar os interesses daqueles que compartilham do
mesmo habitus (Bourdieu, 2007). De fato, por séculos o direito permaneceu
atrelado ao capital e de certo modo ele ainda é muito movimentado nesse sentido.
Contudo, o jurista Michael McCann, introduz uma nova visão em sua obra “O Poder
do Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos usuários’. Sob esse
viés, McCann traz à tona o conceito de reatividade dos tribunais perante a mobilização
do direito, ou seja, por detrás de uma garantia aprovada pela Suprema Corte
existe um movimento, seja coletivo, seja individual que gerou essa
transformação. Logo, McCann é preciso ao “deslocar o foco dos tribunais para os
usuários que utilizam o direito como recurso de interação política e social (McCann,
p.182).
Ademais,
é importante mencionar que a busca incessante pelo judiciário provém dos interesses/convicções
individuais do legislativo, pois os legisladores deveriam aprovar leis em favor
do povo independente de sua ideologia, mas, indubitavelmente, não é isso que
acontece no cenário brasileiro.
Com
o intuito de exemplificar as análises difundidas por McCann, tem-se a Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n°3239, impetrada pelo então Partido
Frente Liberal, hoje autointitulado como Partido Democrata. A referida ação questionou
a constitucionalidade do Decreto 4.887/2004 que tinha como objetivo regulamentar
o processo para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e
titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas. Enfatizo,
que os direitos dos quilombolas estão positivados desde 1988, tanto na esfera
nacional (Ordenamento Jurídico), como no âmbito internacional (Organização Internacional
do Trabalho -OIT), mas nem mesmo essa positivação foi o suficiente para impedir
os movimentos do, terrivelmente reacionários, Partido Democrata.
Essa ação foi julgada no dia 08 de fevereiro
de 2018, o relator foi o ministro, atualmente
aposentado, Cesar Peluzo , que votou a favor da inconstitucionalidade do
decreto , visto que na visão dele , do Gilmar Mendes e do Dias Toffoli para o
decreto ter validade , este deveria estipular o “marco zero” , isto é , terras
ocupadas por quilombolas antes do dia 08/02/2018 deveriam seguir o preceito artigo
68 da Suprema Carta , os que ocuparam após essa data não poderiam continuar
usufruindo desta norma. Não obstante, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e
Ricardo Lewandowski, votaram pela integral improcedência da ação, incluindo a
tese do “marco zero”. Em 2017, Rosa Weber, por entender que a ação estava em
desacordo com a Constituição Federal, votou pela improcedência.
Enfim,
os quilombolas puderam comemorar a vitória nos tribunais, pois a partir do dia
05 de fevereiro de 2019, qualquer alteração no Decreto seja pelo governo federal,
seja pelo legislativo, configura uma afronta à decisão soberana do STF.
Consoante com a obra de McCann, esta postura da maioria dos ministros em prol dos
direitos dos quilombolas, tem em seu cerne a luta histórica dos movimentos sociais,
nesse caso específico, o Movimento Negro que teve sua ascensão no âmbito
jurídico na década de 80, notadamente na participação da constituinte, a “Convenção
Nacional do Negro pela Constituinte “, que contou com a participação das formidáveis
Lélia Gonzalez e Benedita da Silva. (PT). Nesse sentido, McCann, desenvolve
duas dimensões de influência do judiciário, o primeiro é dito como estratégico,
o qual produz um novo paradigma, em outras palavras, e como se fosse o “apito
inicial”, o segundo é o constitutivo que engendra na sociedade um novo modo de agir.
De fato, os fatos explanados acima condizem com esses artigos desenvolvidos por
Michael McCann, uma vez que o movimento negro começou a mobilizar o direito a
seu favor na década de 80, e hoje graças a essa movimentação muitos direitos já
estão positivados, gerando na sociedade mesmo que de forma coercitiva em alguns
casos, uma nova postura.
Por
fim, o Direito de fato tem uma visão conservadora elitizada, tendo em vista que
a maioria dos ocupantes do judiciário são pertencentes a elite e, certamente esses
magistrados são parciais, pois atuam de acordo com seu habitus. Entretanto, é nítido
que os movimentos sociais estão na ativa movimentando o Direito em prol de
garantir a efetivação dos direitos, tal qual a música Sulamericano, da banda
baiana de rock e reggae Baiana System:
“
Vamo que vamo, vamo traçando vários planos , vamo seguir cantarolando para
poder contra-atacar .Contra-atacar, contra-atacar, vou traçando vários planos
para poder contra-atacar.”
Referências :
http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15345886817&ext=.pdf
https://www.scielo.br/j/rbedu/a/mSxXfdBBqqhYyw4mmn5m8pw/
https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/7060/5036
Pollyanna Nogueira - 2° semestre , Direito noturno.
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