Michael McCann, ao discorrer sobre um fenômeno que ele define como a mobilização do direito, faz algumas análises que podem ser aplicadas ao contexto jurídico brasileiro. Em resumo, a mobilização do direito é definida por ele como o uso das leis no sentido de realizar interesses e valores próprios. Nesse contexto, ele associa a ação dos tribunais frente a esse fenômeno, destacando os possíveis efeitos que essa interação pode surtir na sociedade.
Dentre os efeitos dessas disputas, é possível destacar um deles -o aumento da relevância da questão na agenda pública- por meio da análise da medida cautelar que determinou a suspensão de liminar do TJRJ, que pedia a suspensão da exposição de obras com conteúdo relacionado à homoafetividade na Bienal do Livro, amparada pelos Art. 78 e 79 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
A partir da leitura deles, é possível observar como seu conteúdo foi utilizado como instrumento para favorecer valores pessoais e subjetivos. Seguindo a perspectiva de McCann, esse acontecimento é um exemplo em que conflitos relacionados a interesses, como os familiares e religiosos, são deslocados para âmbitos mais formais, como os tribunais.
Naturalmente, esse requerimento gerou repercussão quanto aos valores invocados por eles, em que a homoafetividade era abordada como tema “impróprio” a crianças e adolescentes, segundo o Art. 78, e contra os “valores éticos e sociais da família”, segundo o Art. 79. Dessa forma, é possível observar como a mobilização do direito foi utilizada para favorecer interesses específicos e, por consequência, mobilizar a sociedade quanto ao uso dessa ferramenta.
Essa situação gerou uma contramobilização, também prevista por McCann: a medida cautelar suspendeu a liminar, invocando princípios de igualdade, liberdade de expressão artística e direito à informação, após considerar discriminação a categorização da homoafetividade como conteúdo impróprio, para assim fazer uso do conteúdo do ECA como ferramenta de denúncia. Fica evidente, a partir disso, como a análise do autor se manifesta na prática, tanto quanto à ação dos tribunais, como à reação causada pela interação entre os tribunais e a mobilização do direito, que foi o questionamento do público sobre o requerimento de proibição de obras que, na prática, não apresentam conteúdo ilícito -e nem mesmo incitação a ele.
Medida cautelar citada: https://drive.google.com/file/d/1QkdTaKxN9lCynDPMQ_6tJy2ReKnRFIh4/view?usp=sharing
Ana Clara Alves Gasparotto - Direito Matutino - 2º semestre (Turma XXXVIII)
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