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segunda-feira, 22 de novembro de 2021

A identidade de gênero como mobilização do direito

Distanciando-se do enfoque do protagonismo das cortes nas resoluções de conflitos, tal qual discutido na literatura do autor Antoine Garapon, o escritor Michael McCann desloca seu olhar desses agentes jurídicos para a atuação de indivíduos, grupos e movimentos sociais os quais mobilizam as normas jurídicas e os tribunais para a garantia e conservação de seus direitos. Portanto, mesmo possuindo o mesmo objeto de estudo, isto é, o fenômeno da expansão do Poder Judiciário em matérias concernentes aos outros poderes, a mobilização do direito traz os “usuários” como os responsáveis pelas mudanças sociais almejadas.
  Nesse sentido, os grupos e movimentos se apropriam dos instrumentos jurídicos ao compreenderem os sinais emanados pelos próprios tribunais, visto que estes desenvolvem o arcabouço de demandas judiciais que podem ser levadas para disputa no campo de ação daqueles. Além disso, o aumento da cultura cívica dos “usuários” também é fator determinante para a utilização do direito como recurso da interação social, já que o desejo de realizar seus interesses e valores é o motivo que impulsiona os conflitos na esfera jurídica.
  Dessa maneira, a petição para a cirurgia de transgenitalização pelo SUS demonstra a utilização da matéria jurídica para a concretização de direitos. Nessa ação, a autora solicita à Fazenda Pública do Estado de São Paulo a cirurgia de mudança de sexo, assim como mudança de nome e do gênero. Após ser constatado que a parte-autora se enquadra como alguém que sofre de transtorno de identidade de gênero, ela buscou o Ministério Público para a realização da cirurgia de transgenitalização, entretanto não foi realizada porque o Hospital que efetuaria o procedimento não possuía convênio com o SUS à época. Com essa negativa, a requerente mobilizou o meio jurídico a fim de atender seu desejo de afirmar seu direito fundamental à identidade prevista pela Constituição Federal de 1988, assim como já o havia mobilizado ao recorrer pelo fornecimento dos medicamentos pelo SUS.
    Também é possível depreender na fundamentação do pedido os dois níveis de influência dos tribunais elaborados por McCann. O nível do poder constitutivo da autoridade judicial (compreendido como a transformação na vida político-social em virtude das decisões judiciais) e o nível estratégico (relativo ao enquadramento legal) são constatados quando argumentam que esses pedidos têm boa acolhida nas jurisprudências do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça; no enunciado n. 276 da IV Jornada de Direito Civil o qual interpreta o art. 13 do Código Civil como a possibilidade de realizar a cirurgia de transgenitalização por estar em conformidade com o Conselho Federal de Medicina; no direito à identidade e dignidade da pessoa humana que o transexual é portador.
  Sendo assim, McCann apresenta que a interação social e o contexto em que os atores das demandas judiciais estão inseridos fortalecem os tribunais, a abordagem proposta entende que esse fortalecimento se dá de baixo para cima, isto é, os “usuários” são os responsáveis, dado que eles mobilizam essa área para atender suas demandas. O direito se transforma em um instrumento nas mãos dos indivíduos para que consigam efetivar seus interesses, tendo em vista que as esferas do executivo e legislativo se demonstram menos permeáveis e insuficientes para a concretizar as reivindicações dos cidadãos.

Bruna Soares Teixeira - 1º Direito Noturno
Referências:
MACIEL, Débora AlvesAção coletiva, mobilização do direito e instituições políticas: o caso da campanha da lei Maria da Penha. Revista Brasileira de Ciências Social Out 2011 Volume 26, nº 77 páginas 97-112. Disponível em: scielo.org / Acesso: 17/11/2021

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