Em “Poder Judiciário e Mobilização do Direito: uma perspectiva
dos ‘usuários’” Michael W. McCann inicia sua discussão expondo as hipóteses que
tentam esclarecer como os tribunais adquiriram tanto protagonismo com o advento
dos regimes modernos. Segundo ele, a abordagem institucional histórica - que
afirma ser o fortalecimento judicial resultado de um complexo processo
envolvendo Estado e sociedade - é a mais pertinente para entender de que modo o
poder judiciário tornou-se tão fortalecido politicamente. No entanto, mesmo que
reconheça o papel central dos tribunais e movimente um questionamento acerca da
obtenção dessa relevância, a teoria deixa de contestar o poder exercido por
essa instância, o que compromete o pleno entendimento da natureza e do exercício
do poder judicial na contemporaneidade.
Nesse sentido, McCann assume um posicionamento contrário ao
de reconhecimento dos tribunais como agente único no exercício da justiça,
afirmando que o direito é, na realidade, fruto de uma relação produtiva que
conta também com a participação da sociedade e de seus “usuários”. Essa nova
perspectiva põe em cheque o que o autor vai chamar de mobilização do direito, “ações
de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses
e valores”. Dessa forma, decisões judiciais são motivadas a partir do momento
em que os “usuários” se identificam como sujeitos de direito e, por
conseguinte, lutam para que suas necessidades sejam efetivamente garantidas. Nesse
cenário, o tribunal surge como fomentador das relações que construirão as
demandas judiciais pelas quais os indivíduos e organizações irão buscar, e não
mais como protagonista único e responsável por determinar as ações desenvolvidas.
Exemplo disso é a tutela antecipada concedida pelo Juizado
Especial Cível da Comarca de Jales à transexual que pleiteava cirurgia de
mudança de sexo e alteração do registro civil. No caso, a parte-autora
submeteu-se por muitos anos a tratamentos psicológicos e psiquiátricos que
afirmavam a certeza da vontade de realização da cirurgia de transgenitalização e
garantiam, além disso, que a situação havia desencadeado dores psicológicas e
sintomas depressivos na paciente e, por isso, a recomendação médica para
procedimento cirúrgico. Com base na jurisprudência, no Código Civil e na
Constituição Federal, a liminar determinou que a Fazenda Pública Estadual de
São Paulo fornecesse todos os meios materiais para que a cirurgia fosse feita
e, em caso de descumprimento, fosse bloqueada a verba pública destinada ao
procedimento.
Dessa maneira, fica claro a movimentação do direito
manifestada pelo indivíduo a partir do reconhecimento de seus direitos básicos.
Ciente do art.13 do Código Civil, que permite a disposição do próprio corpo por
exigência médica, bem como do direito fundamental expresso de liberdade,
igualdade, privacidade, intimidade e dignidade da pessoa humana, e o
consequente direito à identidade, a solicitação encontra na lei o respaldo para
exigir que seus interesses sejam preenchidos, demonstrando como a norma é
mobilizada pela demanda social mediante a reivindicação, sustentando, mais uma
vez, que os tribunais funcionam como ferramenta de realização da vontade e de
formação daquilo que é verdadeiramente responsável pelo exercício da justiça: a
interação política e social.
Giovanna
Cardozo Silva - Turma XXXVIII - matutino
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