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segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Poder judiciário, demanda social e o exercício da justiça

Em “Poder Judiciário e Mobilização do Direito: uma perspectiva dos ‘usuários’” Michael W. McCann inicia sua discussão expondo as hipóteses que tentam esclarecer como os tribunais adquiriram tanto protagonismo com o advento dos regimes modernos. Segundo ele, a abordagem institucional histórica - que afirma ser o fortalecimento judicial resultado de um complexo processo envolvendo Estado e sociedade - é a mais pertinente para entender de que modo o poder judiciário tornou-se tão fortalecido politicamente. No entanto, mesmo que reconheça o papel central dos tribunais e movimente um questionamento acerca da obtenção dessa relevância, a teoria deixa de contestar o poder exercido por essa instância, o que compromete o pleno entendimento da natureza e do exercício do poder judicial na contemporaneidade.

Nesse sentido, McCann assume um posicionamento contrário ao de reconhecimento dos tribunais como agente único no exercício da justiça, afirmando que o direito é, na realidade, fruto de uma relação produtiva que conta também com a participação da sociedade e de seus “usuários”. Essa nova perspectiva põe em cheque o que o autor vai chamar de mobilização do direito, “ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca da realização de seus interesses e valores”. Dessa forma, decisões judiciais são motivadas a partir do momento em que os “usuários” se identificam como sujeitos de direito e, por conseguinte, lutam para que suas necessidades sejam efetivamente garantidas. Nesse cenário, o tribunal surge como fomentador das relações que construirão as demandas judiciais pelas quais os indivíduos e organizações irão buscar, e não mais como protagonista único e responsável por determinar as ações desenvolvidas.

Exemplo disso é a tutela antecipada concedida pelo Juizado Especial Cível da Comarca de Jales à transexual que pleiteava cirurgia de mudança de sexo e alteração do registro civil. No caso, a parte-autora submeteu-se por muitos anos a tratamentos psicológicos e psiquiátricos que afirmavam a certeza da vontade de realização da cirurgia de transgenitalização e garantiam, além disso, que a situação havia desencadeado dores psicológicas e sintomas depressivos na paciente e, por isso, a recomendação médica para procedimento cirúrgico. Com base na jurisprudência, no Código Civil e na Constituição Federal, a liminar determinou que a Fazenda Pública Estadual de São Paulo fornecesse todos os meios materiais para que a cirurgia fosse feita e, em caso de descumprimento, fosse bloqueada a verba pública destinada ao procedimento.

Dessa maneira, fica claro a movimentação do direito manifestada pelo indivíduo a partir do reconhecimento de seus direitos básicos. Ciente do art.13 do Código Civil, que permite a disposição do próprio corpo por exigência médica, bem como do direito fundamental expresso de liberdade, igualdade, privacidade, intimidade e dignidade da pessoa humana, e o consequente direito à identidade, a solicitação encontra na lei o respaldo para exigir que seus interesses sejam preenchidos, demonstrando como a norma é mobilizada pela demanda social mediante a reivindicação, sustentando, mais uma vez, que os tribunais funcionam como ferramenta de realização da vontade e de formação daquilo que é verdadeiramente responsável pelo exercício da justiça: a interação política e social.

Giovanna Cardozo Silva - Turma XXXVIII - matutino

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