Muito se observa, sobretudo no mundo Ocidental capitalista, um forte uso do Direito fora do Campo Jurídico, isto é, o Direito sendo mobilizado a fim de proporcionar mudanças sociais e políticas. E, apesar de a doutrina majoritária se colocar veementemente contrária a essa ação do Direito, trata-se de uma realidade necessária para que se atinja uma justiça mais substantiva e material.
Todavia,
existe duas concepções para a ação do judiciário na concessão de direitos: uma
proposto por Antoine Garapon, que entende esse fenômeno como sendo o resultado
da benevolência de magistrados; por outro lado, Michael McCann enxerga os tribunais
como sendo apenas mais uma peça (de extrema importância) desse fenômeno, que
depende estritamente de grupos e indivíduos que se entendem como seres de
direitos.
Nesse
sentido, para McCann, o uso do Direito para mudanças sociais e políticas se inicia
grupos sociais ou indivíduos se entendem como seres dos quais os direitos foram
usurpados pelos grupos dominantes. A partir disso, passam a exigir que esses
direitos sejam efetivados e legitimados. Todavia, não encontram
representatividade na política, o que os força a procurarem outros meios, dentre
os quais está o Direito.
Quanto
a isso, muito se critica, uma vez que a maioria dos doutrinadores entendem esse
fenômeno como sendo uma anomalia do sistema de pesos e contrapesos. Entretanto,
se faz extremamente necessário para que o Direito realize de forma efetiva àquilo
que se propõe. Ou seja, no campo da política, corrigir problemáticas e o não
funcionamento da democracia; no campo jurídico, o estabelecimento da justiça.
Esse
fenômeno é o que explica a petição para a cirurgia de transgenitalização pelo
Sistema Universal de Saúde (SUS), em Jales, no estado de São Paulo.
A parte
autora da petição, desde criança não se identificava com o sexo biológico com
que nascera. Decorrente disso, passou anos em tratamentos químicos hormonais
para que sua estrutura física se tornasse mais semelhante à de uma mulher, tal qual
passou a se vestir com roupas tidas como femininas. Apesar disso, ainda sofria
constante constrangimento, uma vez que seus documentos não condiziam com sua aparência
física, além de que suas genitálias também não correspondiam para com a sua
identificação de gênero. Essas duas questões, somadas a diversas outras, foram
causas de várias dores psicológicas, que fizeram com que a parte-autora tivesse
casos de depressão, como atestado por especialistas da área.
Nesse
contexto, pode-se perceber que logo cedo em sua vida a parte-autora já se identificava
como indivíduo de direito, sobretudo ao direito de dignidade e felicidade, os
quais foram usurpados por uma lógica excludente de gênero e sexualidade. Isso
fez com que a parte-autora buscasse, por meios legais, formas de se conquistas
esses.
Desse
modo, a parte-autora compreendeu que, para tanto, se faria necessário o seguinte:
cirurgia de transgenitalização; e a mudança do nome em Registro Civil para se
constar o nome feminino.
Diante
desse caso, pode-se retirar as seguintes conclusões: o fato de o Tribunal Estadual
de São Paulo ter aceitado a petição mostra como uma das funções do Direito é de
fato a garantia de justiça; esse caso ter acorrido apenas comprova aquilo que
McCann propõe, uma vez que foi decorrente da identificação individual.
Vítor Salvador Garcia Lopes- MATUTINO
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