Michael McCann, em sua obra “Poder Judiciário e mobilização do Direito: uma perspectiva dos usuários”, apresenta a mobilização do Direito sob uma leitura a partir da visão daqueles que se valem da consciência de um determinado direito para exigir aos tribunais a sua efetivação, sejam eles sujeitos individuais, movimentos sociais, organizações de classe, sindicatos ou outros. Um exemplo prático é expresso por meio da realidade do Movimento Sem Teto, um movimento social que toma como base o ordenamento jurídico, em especial a Constituição Federal, para justificar a função social de imóveis abandonados que devem ser notificados pelas prefeituras e podem (ou deveriam) ser utilizados para abrigar pessoas em situação de vulnerabilidade.
Por que e como os tribunais se
tornaram poderosos nos regimes políticos modernos são indagações
características do autor, que podem ser encaradas por quatro hipóteses
principais: a expansão dos tribunais associada à complexização das funções do
Estado (funcionalismo), a “revolução dos direitos” vinculada à demanda
originária da advocacia socialmente organizada, a interação estratégica das
elites e a garantia de interesses contramajoritários mediante delegação do
poder decisório aos tribunais e, por fim, a abordagem institucional histórica
na qual as ideias e dinâmicas de mobilização estão inseridas em processos
complexos, com atores diversos e lógicas institucionais variadas. Para McCann, esta
última, a abordagem institucional, seria a mais pertinente e uma visão concreta
se dá no modelo do feminismo, que se faz presente na norma jurídica de modo
implícito, através da tipificação do feminicídio (ou homicídio agravado por
razões de gênero), vinculado a uma moral como padrão de conduta que expande os
limites do que é ser mulher, apresentando toda uma categorização construída ao
longo do tempo e de processos diversos.
A abordagem institucional apresenta
alguns limites, visto que os tribunais são reativos aos atores sociais, porém
exercem poder, e suas decisões são relevantes para o funcionamento dos regimes
políticos, extrapolando a função de mera fiscalização. Nesse sentido, podemos
citar a Lei da Maria da Penha, uma luta de mais de duas décadas que não pode
ser vista como uma concessão das elites e sim fruto de um esforço coletivo das
lutas sociais, uma relação estabelecida entre sociedade e seus atores com o
judiciário e suas estruturas institucionais. As estruturas políticas da década
de 90 disponibilizaram canais institucionais e alianças inéditas para o
movimento feminista brasileiro. A temática da violência contra a mulher foi
legitimada em documentos, convenções e cortes internacionais e regionais no campo
do Direito, no caso brasileiro substituindo a figura da mulher passiva e
vitimizada pela figura da mulher expressa pelo exemplo de Maria da Penha:
sobrevivente de agressões rotineiras e vitoriosa ao fazer valer direitos
violados, exigindo do Estado a reparação dos danos sofridos pelas práticas violentas
às quais foi submetida.
A ascensão de demandas aos
tribunais para o reconhecimento de identidades coletivas e de igualdade de
oportunidades (mulheres, negros, populações indígenas, homossexuais,
deficientes físicos) tem ganhado destaque no debate público brasileiro em
função dos efeitos político e ético-moral potenciais das decisões judiciais.
Embora a Lei Maria da Penha tenha gerando controvérsias em relação à sua
aplicabilidade nos tribunais ou à sua eficácia social, a mobilização do direito
abriu ao movimento a oportunidade de dramatizar a experiência feminina da
violência, provocar a ação do Estado e, ainda, angariar influência nas
instituições políticas. Além disso, evidencia os limites acerca de um deslocamento
de conflitos da arena política para a judicial nas democracias contemporâneas e,
na brasileira, em particular, gerando, como define McCann, a mobilização do
Direito através de uma perspectiva de seus usuários.
(Laredo Oliveira - 1ºAno - Direito Noturno)
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