Pierre Bourdieu foi um sociólogo que muito contribuiu para o entendimento do sistema jurídico e do Direito com uma ciência séria. Dentre os conceitos que auxiliam na compreensão do fazer o Direito estão o habitus e a ideia e violência/poder simbólicos.
O habitus definido por Bourdieu nada mais
é que um conhecimento, uma forma de cultura que começa a ser desenvolvida pelo
indivíduo desde o seu nascimento. Nesse sentido, a depender do campo da
sociedade em que o indivíduo se forma, seu habitus
se desenvolverá de determinada forma. Vale lembrar que esse habitus também é determinado por certas
condições de gênero, classe, raça, sexualidade, dentre outras. Com isso,
pode-se entender que de certa forma, o habitus
é responsável por dar à sociedade uma certa pluralidade, ao passo que
também se cria uma certa homogeneidade de comportamentos em determinados campos
da sociedade. Isto é, ao se analisar a sociedade com um todo, percebe-se nela
diferentes posicionamentos, visões de mundo e, com isso, diversos objetivos. Ao
mesmo tempo, percebe-se uma certa similaridade de posicionamentos e objetivos
dentro de um campo que forma a sociedade. Com isso, pode-se perceber, no caso
do Direito, uma constante luta concorrencial pelo direito de se dizer o Direito
(luta essa que ocorre dentro de cada campo da sociedade também, uma vez que em
cada um há algum tipo de hierarquia caracterizada pelo acúmulo de capital cultural,
intelectual e simbólico).
Nesse
contexto, é fácil perceber que a noção de poder
simbólico muito se associa às concepções de capital e habitus para
Bourdieu. Pode-se entender, então, que o poder
simbólico (ou violência simbólica)
se trata da expressão do habitus e do capital,
isto é, dos recursos culturais, científicos, jurídicos, sociais e econômicos
adquiridos no decorrer da vida do indivíduo. Essa expressão se dá durante as diversas
lutas concorrênciais da sociedade e é usada como forma de se colocar em uma
hierarquia social superior e, assim, legitimar, no campo jurídico, por exemplo,
seu direito de se dizer o Direito.
Desse
modo, ao se analisar o caso de apologia ao estupro realizado em Franca por um
ex-aluno da UNIFRAN é necessário olhar tanto para a posição do acusado, Matheus
Gabriel Braia, quanto para a posição da juíza Adriana Gatto Martins Bonemer.
No
caso do acusado Matheus, é necessário prestar atenção que se trata de um homem
e, com isso, toda uma provável criação de que todas a suas falas e ações são, quando
convenientes, legítimas e justificadas e, quando não, não passam de uma
brincadeira, uma vez que “é coisa de menino”. Com isso, provavelmente o acusado
acredita que tudo o que fizer jamais trará consequências negativas para nenhuma
das partes, sobretudo a dele. Além disso, ao fazer com que os calouros, e nisso
se inclui as mulheres calouras, realizassem o “juramento” durante o trote universitário
não passa de uma tentativa pífia de legitimar seu poder como um homem já
formado, ou seja, colocar-se em uma hierarquia superior aos demais presentes, mesmo
que para isso seja necessário constranger os calouros, sobretudo as mulheres.
Quando
se analisa a posição da Dra. Adriana, percebe-se em sua decisão um forte
reflexo não apenas de sua criação, mas também de todo um posicionamento político
e econômico com que atualmente se identifica. Nesse sentido, absolver o réu
nada mais é que uma forma de defender a hegemonia do grupo dominante ao qual
pertence (em partes, por se tratar de uma mulher) dentro do campo jurídico. Ao
creditar às mulheres uma certa culpa ao dizer “As mulheres [...]. Subiram aos
cargos mais elevados, mas também adquiriram os seus vícios mais baixos” só fortalece
e reflete seu habitus e seu capital. Isso também ocorre quando
a Juíza argumenta que as mulheres presentes no trote não se incomodaram com o “juramento”,
ignorando por completo a condição de vulnerabilidade que se encontravam (mulheres
calouras em um mercado extremamente concorrido muito pautado pela indicação de
demais).
VÍTOR SALVADOR GARCIA LOPES - MATUTINO
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