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segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Aos detentores de capital simbólico tudo , aos desprovidos, o rigor da lei .





Pierre  Bourdieu (1930-2002),aborda a sociologia por uma nova perspectiva , para ele a sociologia deve  ser estudada como uma ciência interpretativa ,crítica , combatente e   comprometida , ou seja , a sociologia deve incomodar no sentido de não somente observar , e sim denunciar através de estudos  os aparatos de controle que produz e reproduz as desigualdades e as injustiças  sociais. Em seus estudos, Bourdieu esclarece que as disparidades sociais estão engendradas estruturalmente nos pensamentos, percepções e ações dos indivíduos. Seguindo uma lógica bourdieana , analisarei uma decisão do desembargador Júlio Farto Salles , para isso, é pertinente mensurar , primeiramente, alguns conceitos do sociólogo que estão inter -relacionados , são eles: campo ( onde são determinada a posição do agente social ),habitus (predispõe tanto na escolha do indivíduo como no comportamento), capital ( para além do capital monetário, capital para Bourdieu é todo recurso que se manifesta socialmente e , assim , facilita  determinadas decisões ou ações ).

Recentemente , mais precisamente dia 07 de outubro 2021 ,foi divulgado um acórdão cujo  relator  foi o  desembargador Farto Salles ,este  indeferiu um habeas corpus  de uma mulher , mãe de cinco filhos menores de 12 anos que é  acusada de furtar dois refrigerantes, um pacote de suco em pó e dois pacotes de macarrão instantâneo , avaliados em R$ 21,69. No relatório o desembargador esgota todos os espaços dos possíveis , preconizados por Bourdieu, isto é , ele utiliza a doutrina , à hermenêutica, à jurisprudência  para  justificar o porque que a acusada deve permanecer presa. O defensor público Diego Polachini , arrola vários argumentos pertinentes para defender o abrandamento da prisão , em um desses argumentos o defensor enfatiza que a  prisão é ilegal , pois o valor configura o princípio da insignificância. tendo em vista que a vítima não sofreu dano relevante ao seu patrimônio, o defensor também solicita para que os julgadores  não  ignorem o estado de insegurança alimentar da ré. No entanto, Salles , refuta o argumento do defensor público utilizando uma doutrina na qual diz que somente  coisas  de valor juridicamente irrelevante não podem ser consideradas furtos exemplos alfinete, palito . Não obstante,  a violência simbólica, nesse exato momento, aparece intrínseca  no ato do desembargador - a violência simbólica se configura como uma espécie de dominação consentida, pela aceitação das regras impostas pelas autoridades dominantes do campo em questão. Nesse sentido , o desembargador usou da ritualística para transmitir a ideia de uma vontade universal e impessoal da lei para legitimar sua decisão .

Outro ponto tenebroso do acórdão, aliás , não é um ponto , o acórdão é indigesto do começo ao fim , claro que é horrível para mim que sou uma mulher preta, periférica e candomblecista, portanto , não  compartilhamos o mesmo habitus , mas , óbvio que entre o colegiado que é composto majoritariamente por  homens , brancos, cisgênero, hétero a decisão foi super acertada , aplicou-se a lei de modo límpido e justo .Em uma perspectiva bourdieusiana esse apoio ganha consistência uma vez que  o desembargador é o depositário do capital simbólico, isto é, o detentor de prestígio e honra no campo jurídico. Retornando , nas folhas 103 e 104 , o magistrado expõe que é infundado o argumento que a ré deveria  responder em liberdade , só porque, ela tem cinco filhos para cuidar , segundo o excelentíssimo desembargador  a própria mãe provocou seu afastamento , uma vez ela optou por praticar atos ilícitos.  Além disso, ele ressalta que embora triste a situação , é inegável a periculosidade avaliada, haja vista a intensa culpa da agente , sendo assim faz-se necessário, de acordo com o acórdão  a manutenção do cárcere para garantir a ordem pública , evitando assim novos desatinos. Para Bourdieu , essa atitude é intitulada de eficácia simbólica, em outras palavras é o formalismo baseado na razão que legitima a sentença . O desembargador reporta que a deliberação é em prol da segurança da sociedade. 

Infere-se, portanto, que sendo o desembargador possuidor não só do capital símbolo mas também do cultural ele orquestra  e manipula o pensamento da sociedade , tendo em vista o conhecimento e expertise que construiu ao longo da sua vida , desse modo, ele  tem seus argumentos validados . As proposições de Bourdieu são muito abrangentes , complexas, ela vai muito além da noção bilateral de que a classe que possui o capital são os dominantes, certamente que o campo econômico é o âmago da questão , mais não só isso , os campos jurídicos , artístico e político e científico também propiciam injustiças e desigualdades. Bourdieu, nos presenteou com argumentos contundentes, contudo ,é necessário que estes ultrapassem os muros acadêmicos o próprio, Bourdieu, nos ensinou que não basta a teoria precisamos também da práxis. Este tipo de decisão não pode de forma alguma ser naturalizada , para isso ,é necessário subverter, inicialmente, o campo judiciário e político os demais serão consequências . 

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https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1295707129/habeas-corpus-criminal-hc-22323300320218260000-sp-2232330-0320218260000/inteiro-teor-1295707158


https://filosoficabiblioteca.files.wordpress.com/2013/10/41-revista-cult-set-2008-dossie-bourdieu.pdf

 

Pollyanna Nogueira- Direito noturno.

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