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segunda-feira, 18 de outubro de 2021

A função social da propriedade e as lutas simbólicas.



     Esse texto pretende realizar uma análise crítica que relacione a Ação de reintegração de posse envolvendo a Fazenda Primavera – interposta pelo Agravo de Instrumento, nº 70003434388 – e os conceitos fundamentais de Pierre Bourdieu. 

     No acórdão, a discussão sobre a função social da propriedade como Direito Fundamental evidencia o conceito de campo e poder simbólico de Bourdieu. Campo, no viés do sociólogo,  consiste em um espaço social multidimensional, formado por campos relativamente autônomos, no qual os indivíduos das posições dominantes e os das posições dominadas estão em constantes lutas de diferentes formas. Essa luta, no referido caso, constitui-se entre os agravantes, que alegam terem sua propriedade ocupada indevidamente, e os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. 

     Não se trata de uma mera luta entre indivíduos de distintas classes sociais, mas de uma luta simbólica, em que os envolvidos pretendem impor determinada interpretação de realidade social que favorece os seus interesses. Nessa análise, os agravantes ao alegarem o cumprimento da função social da propriedade estão tentando utilizar o campo jurídico como instrumento para a manutenção de suas posições dominantes, deteriorando as lutas sociais. 

     Esse instrumentalismo jurídico, segundo Pierre Bourdieu, deve ser evitado porque tornaria o direito mero instrumento de reafirmação da interpretação de realidade social das classes dominantes. O campo jurídico, no entanto, nem sempre está dissociado desse instrumentalismo, sendo constantemente utilizado para manter o status quo da atual estrutura social historicamente desigual. Nesse status quo, as posições dominantes gozam de um poder simbólico, que permite maior domínio em diversos campos sociais, como o campo jurídico. 

     A intepretação proposta no acórdão referido é a de não se submeter o juiz à interpretação jurídica tradicional, sendo necessário e possível revisar conceitos e os adequar aos novos fatos de nova época, não apenas ao tempo de criação da norma, mas principalmente quando da fixação da exegese (Acórdão 70003434388/2001, Rel. Des Carlos Rafael dos Santos Junior, Décima Nona Câmara Cível, j. em 06/11/2001).        Essa interpretação rompe com o instrumentalismo jurídico, como pretendia Bourdieu, e amplia o exercício hermenêutico, compreendendo que a questão da posse não deve se limitar à situação fática de sujeição do indivíduo à coisa. A posse deve ser analisada também pelo viés social e dos princípios constitucionais, como o da função social da propriedade e de justiça. 

     A discussão do acórdão deteriora o poder simbólico das classes dominantes e constrói uma nova exegese da norma a respeito da posse e da propriedade imóveis, dando vida efetiva ao conceito de função social da propriedade. 

     O direito de propriedade, constantemente alegado por aqueles que ocupam as posições dominantes, passa a sofrer limitações. O titular da propriedade que exercer seu direito de forma estritamente personalista e egoísta, sem possibilitar que a propriedade exerça sua função social, irá sofrer a perda de propriedade, seguindo os princípios e as normas sociais, como o inciso XXlll do artigo 5º da Constituição Federal. 

Para que o campo jurídico se afaste permanentemente do instrumentalismo é fundamental que o exercício hermenêutico seja constantemente revisando. O poder simbólico das classes dominantes não deve exercer influência na forma de aplicação de interpretação das normas jurídicas. O direito pode também consistir em um instrumento de transformação social, por meio do qual as lutas simbólicas que ocorrem dentro dos subcampos sociais possam ser mais justas e voltadas para uma percepção crítica da realidade social e dos mais vulneráveis.




1° ano - Noturno - Camila Marcelo de Toledo 

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