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segunda-feira, 18 de outubro de 2021

O capital simbólico como perpetrador da violência

     O sociólogo francês Pierre Bourdieu, na obra “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”, aborda conceitos extremamente importantes para a construção do campo jurídico. Segundo ele, os indivíduos estão inseridos em um espaço social multidimensional, com diversos campos relativamente autônomos, engendrados pelo campo econômico, mas que apresentam particularidades próprias, e que condicionam, em conjunto com as influências das demais classes, os habitus dessas pessoas, ou seja, todo o capital cultural, aprendizado e vivência que movem suas escolhas. Além disso, há a existência de uma dinâmica concorrencial, tendo em vista que o acúmulo desse capital simbólico leva à manifestação do poder, também simbólico, nas relações, que faz com que algumas classes se sobressaiam umas às outras.

    Na ação civil pública movida contra o médico e ex estudante da UNIFRAN, Matheus Gabriel Baia, em que há pedido de indenização por danos morais coletivos na acusação de apologia ao estupro decorrente de um hino extremamente desrespeitoso proferido pelo requerido e repetido pelos calouros em um trote universitário, é possível enxergar tais conceitos. No caso em questão, percebe-se que os veteranos possuem um maior poder simbólico do que os calouros, de maneira que, por decorrência de seu maior acúmulo de capital simbólico, os primeiros se achem no direito de praticar a violência simbólica e de obrigar os últimos a se submeterem às suas vontades - como no trecho do juramento, em que os “bixos” repetem a frase “E prometo usar, manipular e abusar de todas as dentistas e facefianas que tiver oportunidade, sem nunca ligar no dia seguinte" -, especialmente as calouras, que são, ainda, inferiorizadas pela questão de gênero, tal qual aponta o hino em “(...) me reservo totalmente a vontade dos meus veteranos e prometo sempre atender aos seus desejos sexuais. Compreendo que namoro não combina com faculdade e a partir de hoje sou solteira, estou à disposição dos meus veteranos. (...) Juro solenemente nunca recusar a uma tentativa de coito de veterano (...)”.

    O veredito, proferido pela juíza Adriana Gatto Martins Bonemer, de que a ação era improcedente, por não haver ofensa à coletividade de mulheres e nem dolo, culpa, dano ou nexo causal por parte do acusado, também remonta ao habitus, já que a justificativa se pauta em diversos doutrinadores e pesquisadores do campo, mesmo que de forma distorcida, como nas disputas dentro do próprio movimento feminista, por exemplo - afirmando a dinâmica concorrencial que se perpetua dentro e fora de todos os camposde forma que -, mostrando que, tal qual aponta Bourdieu, o direito não é independente de externalidades, mas engendra a lógica científica e a ética moral, além de pender para os grupos dominantes. 

    Ademais, toda a situação foi interpretada como parte de uma brincadeira, o que reforça a já citada violência simbólica, naturalizada no machismo, misoginia e na cultura do estupro presente no habitus de Matheus - além da “herança cultural” dos trotes universitários -, que faz parte dessa classe dominante, seja na questão socioeconômica - como mostrado em “o requerido é médico recém-formado ganhando como tal, ajuda sua família e começará a pagar o FIES” -, seja na de gênero.

Ana Eliza Pereira Monteiro - 2° ano Direito - Matutino

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