A Prefeitura do Município do Rio de Janeiro alegou desrespeito à legislação por parte da Bienal do Livro em razão da exposição de conteúdo associado à homoafetividade, sob o amparo dos seguintes artigos:
Art. 78. As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo.
Parágrafo único. As editoras cuidarão para que as capas que contenham mensagens pornográficas ou obscenas sejam protegidas com embalagem opaca.
Art. 79. As revistas e publicações destinadas ao público infanto-juvenil não poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de bebidas alcoólicas, tabaco, armas e munições, e deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Somado a isso, considerou o relacionamento homoafetivo, apesar de reconhecido pela jurisprudência (como qualquer outro), como uma parte do livro que não corresponde ao “campo temático próprio da publicação”, que, por essa razão, deveria ter sido advertida, tendo em vista a proteção da criança e do adolescente. Ou seja, a homoafetividade foi enquadrada, inspirada nos artigos, como “material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes” e como um desrespeito aos “valores éticos e sociais da pessoa e da família”, além de, segundo o redator da denúncia, material possivelmente indutor e nocivo à criança e ao adolescente.
A decisão de não acatar essa denúncia converge com conceitos desenvolvidos por Pierre Bourdieu ao longo de sua teoria. Primeiramente, a decisão consta violação dos princípios de igualdade e legalidade, justificada pela distinção entre a abordagem de relacionamentos homoafetivos e os demais quanto à presença de advertência. Sobre isso, afirma Bourdieu sobre as normas jurídicas que elas aparentam universalidade e procura social. No entanto, é possível observar como foi usada uma justificativa aparentemente social (proteção dos valores éticos e sociais da pessoa e da família) para uma decisão homofóbica, no intuito de “não incentivar” a homoafetividade, como se ela ferisse as definições de família.
Contudo, a própria Constituição inclui casais do mesmo sexo na definição de família, ou seja, não há conteúdo a ser advertido para o publico infanto-juvenil. Nessa linha, Bourdieu determina que é no interior do universo de relações entre o campo jurídico e o campo do poder que se definem os meios, os fins e os efeitos específicos que são atribuídos à ação jurídica. O campo do poder é definido pelo aspecto social, que hierarquiza aqueles que detém mais poder, e, por consequência, torna estes os condicionadores da ação jurídica, que é manipulada para segregar um grupo em relação a outro, tal como foi intencionado pela denúncia à exposição da Bienal do Livro.
Com isso, é possível observar como o texto jurídico, somado ao interesse dos dominantes, pode ser usado para favorecê-los. É evidente que foram invocados valores subjetivos do conceito de família e do que é inadequado para crianças e adolescentes na denúncia feita pela Prefeitura, o que mostra a primazia da visão de mundo das classes dominantes sobre a própria lei.
Ana Clara Alves Gasparotto - Direito Matutino - 2º semestre (Turma XXXVIII)
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