“É bom ressaltar que o movimento feminista apenas colaborou para a degradação moral que vivemos, bem exemplificada pelo "discurso/juramento" que ora se combate.” Essas foram as palavras proferidas pela juíza responsável de julgar o caso de apologia ao estupro feito em um trote na UNIFRAN. Antes de proferir a sentença final, a juíza ainda acusou a ação ajuizada pelo Ministério Público de estar “recheada com chavões” que panfletam o feminismo, duramente criticado por ela.
Pierre Bourdieu, sociólogo contemporâneo, pode ser usado para explicar a visão paralela à realidade que levou a juíza a absolver o ex-aluno que induziu as calouras a proferir o discurso problemático. Segundo o sociólogo, o espaço social pode ser dividido em campos, sendo um deles o campo jurídico. As ações de um indivíduo vão ser de acordo com a influência vinda dos campos no qual ele está inserido e da classe social que ele se encontra, e Bourdieu chama essa influência de habitus.
O habitus acaba por determinar as escolhas e o comportamento do indivíduo. No caso do julgado da UNIFRAN, o habitus da juíza a levou a crer que penalizar o aluno por suas falas ofensivas seria uma decisão feminista — que, para ela, é um movimento degradante. Isso se dá porque nos campos que ela está inserida a defesa das mulheres diante falas e comportamentos que disseminam a desigualdade de gênero não é bem vista, e a luta pelo reconhecimento feminino é uma luta que resulta na “aceitação pública da degradação” dos “corpos e almas” das mulheres.
Um exemplo de um campo que influenciou a juíza é o campo político. Na sentença, foi usada uma obra da deputada Ana Caroline Campagnolo, abertamente bolsonarista e antifeminista. A deputada já até propôs um projeto de lei contra a vacinação obrigatória e se mostrou ser contra o lockdown nos tempos da pandemia de Covid-19. Somente com o uso do livro de Campagnolo na justificativa da sentença a juíza deixou bem claro em qual campo político está inserida — e esse uso também deixa evidente a influência que o habitus advindo desse campo teve na sentença.
Saindo dele, é possível analisar o caso como ele é: uma apologia ao estupro feita em um espaço público. Fazer as calouras jurarem que nunca irão “recusar a uma tentativa de coito de veterano” e que elas devem estar sempre a disposição, é claramente inferiorizar as mulheres à objetos sexuais e violar o direito de escolha que demorou muito a ser conquistado (pasmem-se, pelo feminismo). A decisão da juíza, que discursou sobre os males do feminismo por cerca de dezessete parágrafos, foi totalmente influenciada pelo seu habitus político que aparentemente tem uma dificuldade enorme para entender o conceito de feminismo — e que, independente dele, é dever da justiça proteger os direitos de todos os cidadãos, inclusive o direito à dignidade das mulheres.
Camilly Vitória da Silva — Direito noturno, 2° semestre, Turma XXXVIII
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