Em suas obras, Pierre Bourdieu aborda a conceituação de termos jurídico-sociais como por exemplo, o que sociólogo nomeia de "poder simbólico". O poder simbólico, em sua essência, é uma ferramenta que permite a propagação de uma ideologia pela classe dominante (economicamente) de determinada sociedade, onde toda e qualquer conduta fora de tais padrões predeterminados é considerada errada e digna de pronta correção.
Tal poder simbólico transforma os ideais dominantes os únicos socialmente aceitos, mesmo que tais ideais propaguem atos de violência e manutenção do status quo. Como estão atreladas a influência do poder simbólico da classe dominante e burguesa, as classes menos socialmente favorecidas estão condicionadas, mesmo que inconscientemente, a reproduzir os mesmos comportamentos e pensamentos que proporcionam a sua opressão.
Sob essa perspectiva, como resultado da violência simbólica, as pessoas associadas aos grupos dominados podem, por exemplo, integrar e legitimar a ideia de serem inferiorizados perante à sociedade, permanecendo inertes à realidade - considerando-a “natural”. Dessa forma, percebe-se que a violência simbólica perpetua a desigualdade entre os indivíduos ao passo que reverencia e enobrece uma cultura que não representa os grupos mais numerosos, mas sim uma pequena camada favorecida socialmente.
Verifica-se assim, a presença desse conceito no caso do ex-aluno da UNIFRAN, Matheus Gabriel Braia, acusado de propagar ideias que aludem à cultura do estupro, além de incitar agressões e violências contra mulheres. Em síntese, o ex-aluno fez com que os ingressantes da faculdade reproduzissem, em um ‘trote’ universitário, termos machistas, misóginos e sexistas, fortificando os padrões perpetrados a partir da desigualdade e violência de gênero.
Sabe-se que discursos como o proferido pelo ex-aluno da Universidade em questão, infelizmente, são comuns na sociedade brasileira, resultando na chamada “cultura de estupro”, que justifica os crimes de violência sexual e torna a justiça mais inalcançável para muitas mulheres.
Além disso, é possível encontrar outros aspectos no posicionamento da juíza quando ela destrata as lutas feministas, de forma a questionar a emancipação das mulheres e a pauta da liberdade sexual feminina, e coloca o acontecimento ocorrido durante o trote da faculdade de Medicina da UNIFRAN como um momento de brincadeira, de forma que não afeta todas as mulheres. Assim, é perceptível outro ponto que se conecta com a teoria de Bourdieu, a questão da hermenêutica. Isso porque a interpretação do caso discorre de maneira a atender os ideais da magistrada, evidenciando sua consolidação sobre o tema a partir de um viés totalmente machista e misógino.
A dominação masculina é um exemplo da chamada submissão paradoxal, derivada da violência simbólica. Percebe-se, também, que essa dominação perdura por consequência aos assíduos planos elaborados em diferentes períodos históricos e, em especial, por ter caráter sutil. Desse modo, na maioria das vezes, a violência simbólica não é somente legitimável como também naturalizada. Logo, a dominação é assimilada pelos dominados sem que seja questionada e, posteriormente, reproduzida, gerando um ciclo vicioso e violento.
Assim, torna-se indubitável a questão da ilusão da independência do Direito, visto que este é baseado nas relações externas e nas vivências pessoais que formaram o jurista responsável pelo caso. Ou seja, o Direito não é totalmente independente e desassociado do habitus, já que é diretamente subordinado às perspectivas do jurista em questão. Dessa forma, por possuir cunho político, toda decisão tomada no campo jurídico já possui uma lógica científica unida à moral, sendo essas indissociáveis.
Portanto, conclui-se que, ao julgar improcedente de processo o caso de Matheus Gabriel Braia, Adriana Gatto revela a influência a qual todas as classes minoritárias e marginalizadas da sociedades estão submetidas, podendo até mesmo lutar a favor de seus agressores. Percebe-se também a manipulação e minuciosamente planejada estratégia de manutenção da dominação das classes dominantes: fazer as classes marginalizadas acreditarem serem parte da nata do poder, lutando contra os seus próprios direitos, e acima de tudo, dignidade.
1°ano - Noturno - Pedro Henrique Barreiros Hivizi
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