Em 2019, o TJRJ suspendeu a circulação de livros que tratavam de temas homoafetivos durante a Bienal no Rio de Janeiro. A ação foi justificada com base no artigo 79 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece que conteúdos que ferem com os valores éticos e a família. O caso, que teve grande repercussão, foi analisado pelo STF e teve sua ação suspensa pelo mesmo. Esse evento pode ser muito bem interpretado à luz do pensador francês Pierre Bourdieu, que irá estudar o que ele chama de Campo Jurídico e suas características.
O primeiro ponto trabalhado por Bourdieu que é pertinente à análise do julgado é a questão de habitus. Para o sociólogo, o habitus seria um conjunto de ações e comportamentos que caracterizam indivíduos pertencentes a um mesmo campo. No caso da Bienal, o habitus de uma classe interfere na decisão de se suspender a circulação dos livros. O suposto direito puro deveria ser isento de interpretações pessoais, contudo, não é o que acontece na realidade.
O interesse individual se mistura com o habitus e derruba a suposta racionalidade do direito. O grupo de magistrados partilha do mesmo pensamento, e proferem as mesmas sentenças hegemônicas, porque partilham do mesmo habitus. Eles são, em sua maioria, homens que desconhecem o verdadeiro conceito de homossexualidade, e por isso a veem como algo imoral e que deve ser afastado das crianças.
Outro relevante tópico trabalhado por Bourdieu é a historicização da norma, que diz que as normas devem se atualizar já que a história progride. As normas não devem se estagnar e permanecer no passado, mas irem se modificando à medida que o homem também vai se desenvolvendo. O art. 79 do ECA diz que conteúdos devem respeitar a família, mas e as famílias de casais homossexuais? Impedir a venda de um livro que trata de homossexualidade como se fosse algo impróprio, desrespeita as famílias homoafetivas. A mente dos legisladores devem se adaptar ao novo mundo que se vive hoje. É retrógrado pensar que apenas o casal heterossexual compõem uma família.
Por fim, seria impossível não tratar dos espaços possíveis, termo cunhado pelo pensador do século XX. Na visão de Bourdieu, o direito pode avançar em diferentes áreas. Através da argumentação, o direito poderia romper barreiras em questões como cotas, demandas feministas e homossexualidade. Pela hermenêutica, se rompe a hegemonia de pensamento presente no direito, e dessa forma casos como o citado acima não ocorreriam com tanta frequência.
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