Auschwitz-Birkenau, 23 de novembro de 1942
Minha querida,
Não sei se vou conseguir chegar à tempo.
O dia havia amanhecido bonito. O sol parecia me beijar. Igual como você me beijava pelas manhãs. Senti uma ternura e uma saudade tão grandes. A brisa que me batia à face era fresca, tão fresca que me fez lembrar daquela manhã que caminhamos juntos pela praia, enquanto brincávamos de planejar o futuro. Tão inocentes. Fui para o quartel. Tinha ido o caminho inteiro me perguntando se o que fazia era certo. Não sei o que me deu, mas comecei a me perguntar sobre tudo o que era obrigado a fazer. O general ordenou que meu pelotão saísse numa missão de captura. Essa palavra era uma das que mais me intrigava. “Captura”. Quantas vidas capturei? Quantos sonhos? Quantos planos? Eu sabia que não devia questionar. Não queria pensar que estava desrespeitando meu Führer. Saímos em missão. Tudo deu certo. Capturamos. Vidas, sonhos, planos. O que mais eu havia capturado? Lembro-me do olhar de súplicas de uma menininha. Fez-me lembrar da nossa pequena. Meu sonho era servir meu país. Reerguê-lo. Ser alemão era um orgulho para mim. Imaginar que ajudava meu Führer me enchia de satisfação. Não via a hora de ser chamado para uma missão. Uma missão em prol da Nação. Vir para cá mudou algo em mim. Parece que vejo com outros olhos. Olhos. Toda vez que me deito centenas de olhares me perseguem. Perseguem-me igual eu os persegui. Vidas, sonhos, planos. Quantos deles viraram pó por minha causa? Certa vez perguntei a meu companheiro se ele sabia o por quê de fazermos tudo isso. Ele me disse que eu deveria me envergonhar disso. Deveria me envergonhar por questionar ao Führer. Mas eu não conseguia parar de fazer isso. Quando eu estava em casa, meu sonho era isso. Por que tudo mudou? Não me identifico com nada do que eu faço. Nenhuma ação minha parece enobrecer o caráter de minha Alemanha. Minha Alemanha não é assim. Minha Alemanha não captura vidas, sonhos e planos. Minha Alemanha não os transforma em pó. Meus olhos mudaram, meu amor. Se eu ao menos pudesse fazer algo em relação a isso. Se eu ao menos pudesse mudar um pouco as coisas. Mas, a única coisa que eu quero é que você não os estranhe, quando eu voltar para casa. Eles continuam lhe amando.
Yanka Leal - 1º ano - Direito noturno
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