Weber
caracteriza a dominação não como o uso puro e simples da força ou da coerção,
uma vez que essa, por si só, não se sustenta, tornando-se volátil. Para Weber,
a dominação ocorre a partir da crença na legitimidade do poder. Assim, o
conceito de dominação oferece suporte e dialoga com a teoria de Silvio Almeida,
em seu livro “Racismo Estrutural”, na medida em que ele demonstra como
as estruturas sociais foram historicamente construídas, organizadas e
programadas para garantir a dominação das elites brancas sobre a população
negra.
Nesse
contexto, a dominação não se restringe à opressão ou à perseguição explícita,
mas torna-se parte de um sistema legitimado, naturalizado e reproduzido
cotidianamente. Esse fenômeno também se relaciona com o conceito de
necropolítica, de Achille Mbembe, que evidencia como o poder se manifesta na
decisão sobre quem vive e quem morre — ou seja, quem será protegido pelo Estado
e quem será deixado à própria sorte, exposto às péssimas condições de vida,
saúde, saneamento e segurança, sendo, portanto, abandonado por quem deveria
assegurar seus direitos básicos.
Dessa
forma, a morte passa a ser, muitas vezes, utilizada como estratégia de
governança, uma política voltada à manutenção de interesses específicos. O
racismo, ao autorizar a desumanização de determinados grupos, permite que estes
sejam tratados como matáveis ou descartáveis, gerando impactos que persistem
até os dias atuais. Populações negras, periféricas e indígenas são os
principais alvos da necropolítica. Assim, sua morte não se restringe ao aspecto
biológico, mas também resulta da privação das condições mínimas de existência.
Isso se reflete diretamente nas esferas social e econômica, uma vez que viver
em ambientes insalubres, sem direitos trabalhistas, sem acesso adequado à
saúde, à educação, ao saneamento básico e à moradia expõe esses grupos ao sofrimento,
à degradação e à morte social, impedindo-os de construir perspectivas de
futuro.
O
racismo, portanto, se sustenta em diversas manifestações da dominação. A
primeira é a dominação tradicional, herança da época colonial, escravocrata e
patriarcal, que normalizou a desumanização, a exploração e os preconceitos
contra negros e indígenas, legitimando tais práticas por meio de uma
mentalidade social historicamente enraizada.
A
segunda manifestação é a dominação legal-racional, expressa no funcionamento de
instituições, do judiciário, das burocracias e das estruturas econômicas, que,
embora presumidamente neutras, frequentemente operam na proteção dos interesses
das elites brancas, em detrimento dos direitos, da dignidade e do bem-estar dos
grupos historicamente marginalizados. Isso se evidencia, por exemplo, no fato
de a população negra e parda compor a maior parte das pessoas em situação de
pobreza, miséria, encarceramento e moradoras de favelas, além de serem as
principais vítimas da violência policial. Percebe-se, portanto, que tais
condições não são fruto do acaso, mas de um sistema estruturado para permitir
sua reprodução, sem oferecer os meios necessários para transformação, o que
leva, muitas vezes, à morte social desses indivíduos e à perpetuação do
racismo, frequentemente não punido.
Por
fim, a dominação carismática manifesta-se por meio de lideranças e figuras
influentes que difundem discursos como o da meritocracia, negando as
desigualdades estruturais. Esses discursos mascaram a realidade, impedindo que
boa parte da população perceba as injustiças que afetam cotidianamente os
grupos marginalizados. Além disso, deslegitimam as denúncias de racismo,
transferindo para o indivíduo a responsabilidade pela sua condição, como se
fosse resultado exclusivo de suas escolhas pessoais e não de um sistema
opressor e excludente.
Portanto,
enquanto para Weber a obediência resulta da aceitação da legitimidade do poder,
Silvio Almeida demonstra que o racismo estrutural é sustentado justamente pela
crença de que ele é algo natural, racional ou, muitas vezes, disfarçado,
tornando-se invisível para parte da sociedade. O racismo, portanto, não é um
problema isolado, nem responsabilidade de indivíduos imorais, mas sim um
fenômeno coletivo, que precisa ser compreendido a partir dos seus aspectos
históricos e atuais, os quais criaram e sustentam um sistema excludente e
racista, que protege os interesses de poucos em detrimento da maioria. Dessa
forma, o racismo não é uma exceção, mas a própria regra de funcionamento das
sociedades estruturadas na lógica capitalista e colonial.
Diante
disso, torna-se fundamental que esses grupos sejam reconhecidos como sujeitos
de direito, mobilizando os instrumentos legais tanto para garantir melhores
condições de vida quanto para dar voz às suas reivindicações. Além disso, é
necessário utilizar o próprio direito como ferramenta para questionar e
deslegitimar as estruturas de dominação. Assim, seria possível mitigar as
práticas opressoras, que deixariam de ser vistas como legítimas. Ademais, ao
amplificar as vozes desses grupos, mais pessoas poderiam perceber a realidade,
não mais sendo enganadas pelas falácias reproduzidas por líderes e meios de
comunicação que sustentam esse sistema desigual.
Gustavo Zoca Goulart de Andrade - primeiro ano de direito noturno
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