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segunda-feira, 26 de maio de 2025

"Resquícios de senzala": poder, racismo e violência legitimada.

  Em Abril desse ano, um advogado, em uma peça de processo na Justiça do Rio de Janeiro, afirmou que a juíza Helenice Rangel Gonzaga Martins possuía "resquícios de senzala", o que representa uma declaração profundamente racista que evidencia a violência simbólica ainda presente no sistema judicial brasileiro. Tal situação está longe de ser um caso isolado: ela se insere em uma rede complexa de manifestações do racismo institucional, conceito desenvolvido por Silvio Almeida no capítulo "Raça e Racismo" do livro Racismo Estrutural. Para o autor, racismo é "um processo que condições de subalternidade e de privilégio se distribuem entre grupos raciais e se reproduzem nos âmbitos da política, da economia e das relações cotidianas". Sendo assim, quando olhamos para essa realidade através do conceito de poder de Max Weber, o cenário é ainda mais preocupante: o Estado, que deveria garantir direitos a todos igualmente, torna-se também o agente que legitima a violência e a segregação sociorracial quando exerce o seu poder de forma seletiva e racializada.

                 Nesse sentido, segundo Weber, o poder é a capacidade de impor a própria vontade dentro de uma relação social, mesmo contra resistência de outrem. Dessa forma, em sua definição clássica de Estado, ele afirma que este detém o monopólio legítimo do uso da força, exercendo, assim, seu poder. No entanto, devemos nos atentar que o sociólogo alemão não descreveu que quando esse monopólio é aplicado de forma desigual, reforçando estigmas raciais e criminalizando determinadas populações minoritárias, ele perde a sua legitimidade moral, mesmo que ainda mantenha sua legalidade formal através de seu próprio aparelho burocrático. No Brasil, esse desequilíbrio pode ser constatado nos altos índices de letalidade policial em territórios periféricos e majoritariamente negros, como no caso que aconteceu em 2021, que ficou conhecido como "chacina do Jacarezinho", que culminou na morte de 29 pessoas. Todavia, a violência policial não é apenas um erro de execução: é uma expressão direta do racismo institucional, conceito explorado por Silvio Almeida para descrever o modo como o racismo se manifesta na estrutura do Estado, de forma normalizada, sistêmica e institucionalizada. 

Desse modo, a relação entre poder, raça e instituições revela que não se tratam de agentes isolados que agem com intenções racistas, mas de um sistema que opera racialmente desde a sua origem. Essa concepção contraria a noção de "racismo individualista", que considera as práticas racistas como algo praticado por indivíduos de modo isolado, ou seja, não se trata de algo sistêmico. As abordagens policiais abusivas comentadas acima, o encarceramento em massa e a ausência de representação política são sintomas de um modelo de poder que encontra na racialização dos corpos uma justificativa para manter o controle social. Nesse contexto, o conceito de domínio, também desenvolvido por Weber, torna-se essencial: trata-se da forma como o poder é legitimado na prática. No caso brasileiro, o domínio exercido sobre corpos negros é naturalizado por narrativas midiáticas, discursos políticos e pela omissão institucional diante de violações recorrentes. Nesse sentido, a violência e a morte são legitimadas a partir de associações entre as vítimas negras e o tráfico de drogas, mesmo sem evidências concretas, reproduzindo diversos estereótipos, portanto preconceitos raciais.

Portanto, ao relacionar Weber e Silvio Almeida, percebemos que o poder estatal, quando atravessado pelo racismo institucional, deixa de ser garantidor de direitos e passa a operar como máquina de exclusão de certos grupos minoritários. Além disso, a violência policial, o controle penal e a omissão legislativa são expressões concretas de um poder que perdeu sua vocação para a justiça. Desse modo, superar esse cenário exige reconhecer que o Estado só poderá ser verdadeiramente democrático quando romper com as lógicas estruturais e sistêmicas racistas. Para isso, é necessário revisar as práticas institucionais, legitimadas, muitas vezes, pela legislação, e garantir que o monopólio da força seja exercido de forma equitativa, orientado por princípios de justiça social e reparação histórica, através de maior representação política.

Otávio Rodrigues Ferin - 1º ano Direito Noturno.

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