Em versos pontiagudos, Racionais lutaram contra a racionalidade. Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay emanciparam uma geração ao recusar o presente e o futuro que lhes foi imposto, desenhado no formato de jaula. Criaram um hino de resistência e, acima de tudo, de negação. Abriram olhos e ouvidos de incontáveis jovens pretos que aprenderam a ver o mundo com desafio.
O hino? Nego Drama. Mas quem é o tal “Nego Drama”?
Ele não tem nome — é um construto estritamente poético. Mas tem muitos nomes — nomes de quem rasgou as páginas da história que lhe escreveram. Nomes de quem forçou a caneta para escrever sua existência.
O “Nego Drama” renega o que lhe foi imposto.
Se o querem ver “pobre, preso ou morto”, pois “isso já é cultural”, ele criará uma nova cultura. Forjada no asfalto, no gueto, onde a cidadania nem sonha alcançar. Se a sociedade oferece só “crime, futebol, música” como sonho e caminho, assim será, ou será como ele quiser.
E a lógica — essa é a chave. Porque o que o “Nego Drama” enfrenta não é só a brutalidade. É a racionalização da brutalidade, a dominação racional-legal: a mão de ferro que se esconde atrás do papel, da farda e do Direito, ao camuflar violência com burocracia. Celas perfeitamente fundidas e assustadoramente geladas que funcionam perfeitamente para aprisionar “Negos Dramas” em nome da ordem travestida de racismo.
Racismo que não é um mero acidente nesse sistema. É sua engrenagem principal. É estrutural. Molda instituições, define caminhos possíveis e impossíveis. É a parede invisível que divide o progresso da periferia.
O “Nego Drama”, o verdadeiro “guerreiro de fé”, nega isso. Mas não só nega. Ele também cria. Se a cultura dominante o rejeita, ele inventa outra. Se não cabe no sistema, ele explode a moldura. E ao fazer isso, torna-se também desejo. “Inacreditável, mas seu filho me imita / No meio de vocês ele é o mais esperto / Ginga e fala gíria; gíria não, dialeto”. O “Nego Drama” debocha da falsa hierarquia cultural.
Mesmo quando diz “eu também não consegui fugir disso / eu sou só mais um”, há rebeldia. Mas, acima de tudo, há lucidez. Uma lucidez que foge da lógica da educação precarizada. Porque mesmo sabendo que os caminhos foram fechados antes mesmo de nascer, ele insiste em andar. Mesmo sabendo que “quem recebe o mérito, a farda, que pratica o mal”, ele encara e subverte.
O “Nego Drama” é aquele que sabe que a estrutura quer matá-lo. Mas que, antes de morrer, vai gritar. Vai cantar. Vai negar a história, a razão, a lei, o silêncio. Porque negar o que oprime também é criar. E criar — nesse mundo que o condena — é o mais radical dos atos. Felipe L. Ponciano - Noturno
Nenhum comentário:
Postar um comentário