Felipe Junco da Silva - Direito Noturno
A teoria da dominação em Max Weber oferece uma chave fundamental para compreender como o poder se organiza e se legitima nas sociedades modernas. Diferente da visão que associa poder apenas à força bruta, Weber mostra que a dominação exige aceitação: é preciso que os dominados reconheçam a autoridade como legítima. Essa legitimidade pode se basear na tradição, no carisma de um líder ou, de forma predominante nas sociedades modernas, na dominação legal — isto é, na crença na validade de normas impessoais e institucionalizadas.
No entanto, essa legalidade que promete imparcialidade e racionalidade pode funcionar, na prática, como um meio de reprodução de desigualdades históricas. Weber via na burocracia a forma ideal de administração moderna, marcada por regras formais e critérios técnicos. Mas mesmo essas estruturas “neutras” operam dentro de uma sociedade atravessada por relações desiguais de classe, gênero e raça. É nesse ponto que a leitura crítica de Silvio Almeida, em "Racismo Estrutural", amplia o horizonte da análise. Para Almeida, o racismo não é um problema pontual, ligado a atitudes isoladas, mas uma lógica estrutural que organiza o funcionamento cotidiano das instituições.
Assim como a dominação legal precisa da crença na legitimidade das normas, o racismo estrutural se sustenta na naturalização da desigualdade racial. Ele opera de maneira silenciosa e constante, definindo quem acessa direitos, oportunidades e reconhecimento social. Não se trata de um desvio do sistema, mas de uma engrenagem que o sustenta. A seletividade do sistema penal, o acesso desigual à educação, as barreiras invisíveis no mercado de trabalho — tudo isso são expressões de um racismo que atua dentro das regras, sem precisar violá-las. A dominação legal, nesse contexto, pode ser o meio pelo qual o racismo se reproduz com aparência de legitimidade.
A força da análise de Weber está em mostrar que a dominação moderna se diferencia pela regularidade institucional. Mas essa regularidade não está imune às desigualdades históricas. Quando aplicada em um contexto marcado por hierarquias raciais, a burocracia pode se tornar um instrumento de exclusão. Regras que parecem imparciais acabam funcionando como filtros que mantêm certos grupos fora das posições de poder e dos espaços de decisão. A legalidade, quando não questionada, pode operar como uma tecnologia do racismo: uma forma de manter preconceitos ao mesmo tempo em que disfarça as violências que os sustentam. A crença na legitimidade das normas precisa ser acompanhada de uma crítica das estruturas que as produzem e das desigualdades que elas podem perpetuar.
Weber fornece um instrumental teórico essencial para compreender os modos de dominação; Almeida, por sua vez, desafia esse modelo ao evidenciar os limites da legalidade em contextos raciais. A crítica social, hoje, precisa articular essas duas perspectivas: não basta entender como o poder se legitima — é necessário também perguntar a quem essa legitimidade serve, e quem ela silencia. A justiça, nesse sentido, não pode ser apenas formal. Ela exige a transformação das estruturas que, sob a aparência de legalidade, sustentam formas profundas de exclusão.
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