Silvio Almeida1, promissor símbolo de liderança negra, ilustrou em sua obra Racismo Estrutural os conceitos de raça e racismo, destacando importantes facetas ideológicas e sociais. O filósofo postula a história das raças – seu significado compreendido, primeiro, como o estabelecimento de classificações entre plantas e animais, e mais tarde, entre seres humanos – como a história da constituição política e econômica das sociedades contemporâneas. Em consonância, seu termo é intrinsecamente atrelado às circunstâncias históricas em que é utilizado, havendo por trás de seu significado, contingência, conflito, poder e decisão. Por seu turno, o racismo associa-se às seguintes esferas do conceito de raça: preconceito e discriminação.
“O racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para certos indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam. A discriminação racial, por sua vez, é a atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupo racialmente identificados. Portanto, a discriminação tem como requisito fundamental o poder, ou seja, a possibilidade efetiva do uso da força, sem o qual não é possível atribuir vantagens ou desvantagens por conta da raça.” Por conseguinte, tomando como base as compreensões apresentadas anteriormente, cabe analisar a manifestação do racismo estrutural em diversas dimensões da vida social à luz da teoria sociológica de Max Weber, designadamente no campo da Ação Social – tal ação que, dotada de sentido subjetivo, orienta-se pelo comportamento de outros sujeitos.
Mormente, nessa perspectiva, nota-se como a ação racional com relação a fins – guiada por objetivos específicos e meios eficientes para alcançá-los –, torna-se útil para entender como práticas racistas são orientadas por objetivos estratégicos: hierarquizar corpos, distribuir privilégios e manter estruturas de dominação. A própria produção da ideia de raça, inicialmente aplicada a plantas e animais e posteriormente a seres humanos, revela essa racionalidade funcional voltada ao controle social e à desigualdade sistemática. Do mesmo modo, o preconceito racial pode ser interpretado, também, como expressão de ação racional com relação a valores, isto é, orientadas por crenças éticas, morais ou religiosas e tidas como legítimas por determinados grupos. A defesa de ideais como “identidade nacional”, “pureza cultural” ou “neutralidade racial” opera como justificativa simbólica para práticas discriminatórias, mesmo quando essas não se declaram racistas. A “colorblindness”, exemplificada por Almeida, ao ignorar deliberadamente as desigualdades materiais entre grupos raciais, acaba legitimando e reforçando hierarquias já estabelecidas.
Outrossim, por seu turno, a ação afetiva, conforme conceituada por Weber, ajuda a compreender as manifestações do racismo baseadas em impulsos emocionais, como medo, hostilidade ou repulsa. Tais sentimentos, embora pareçam individuais, estão socialmente produzidos e reforçados por estereótipos raciais. O desprezo espontâneo em razão da raça resulta de emoções internalizadas em um ambiente estruturado pelo racismo. Em consequência, é nesse ponto que se evidencia a conexão entre ação afetiva e o preconceito tratado: mesmo quando não planejadas, tais atitudes colaboram para a manutenção de um status quo de desvantagens sociais e simbólicas. Por fim, a ação tradicional permite interpretar a naturalização das práticas discriminatórias como parte de um corpo institucional e social que ignora as trajetórias históricas dos grupos racializados. A “discriminação indireta” – ilustrada por Silvio Almeida pela aplicação de regras supostamente neutras que, na prática, produzem desigualdades – demonstra esse tipo de ação, visto que a ausência de intencionalidade não exclui o impacto racial adverso. Com o passar do tempo, tais práticas geram estratificação social e nesse sentido, políticas de ação afirmativa, enquanto formas de “discriminação positiva”, visam corrigir o desequilíbrio imposto por séculos de discriminação negativa.
Torna-se evidente, portanto, que os tipos de ação social propostos por Max Weber permitem uma leitura precisa e multifacetada do conceito de racismo, de Silvio Almeida, como fenômeno sistêmico, que articula racionalidade, valor, emoção e tradição na manutenção das desigualdades raciais.
1A utilização do estudo de Silvio Almeida no presente texto se dá exclusivamente por sua contribuição teórica no campo das relações raciais. Não se confunde com endosso pessoal em relação às polêmicas públicas eventualmente associadas ao autor.
Texto elaborado com base no capítulo "Raça e Racismo", da obra Racismo Estrutural, de Silvio Luiz de Almeida.
Amanda Caroline Vitorasso, 1° ano (Direito - Matutino).
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