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segunda-feira, 26 de maio de 2025

Legitimidade em Max Weber e a Construção do Racismo como Ordem Social: uma leitura de “Morro Velho” de Milton Nascimento

    A teoria da legitimidade proposta por Max Weber é essencial para compreender como sistemas de dominação se mantêm ao longo do tempo, não apenas por meio da força, mas também pela aceitação e crença coletiva nas formas de autoridade. Quando essa teoria é analisada à luz da questão racial, especialmente no contexto brasileiro, é possível perceber como o racismo se inscreve como uma forma de dominação estruturalmente legitimada. A música “Morro Velho”, de Milton Nascimento, serve como expressão artística dessa realidade ao narrar a desigualdade racial enraizada nas estruturas sociais. Nesse sentido, é possível realizar uma análise sobre o racismo estrutural articulado à legitimidade weberiana, tomando a canção como um instrumento de denúncia e reflexão sobre as estruturas complexas que compõem o sistema institucional de segregação.
    Max Weber identificou três formas de dominação legítima: a tradicional, baseada nos costumes e na ancestralidade, a carismática, centrada na devoção a líderes excepcionais, e a racional legal, fundada em normas e regras impessoais. Embora Weber não tenha tratado diretamente da dominação racial, suas categorias permitem compreender como formas de poder, como o racismo, se perpetuam por meio da aceitação social e da institucionalização de ideologias discriminatórias.
 A ideia de “raça”, construída historicamente no contexto do colonialismo europeu, foi instrumentalizada como tecnologia de dominação. A classificação de seres humanos com base em critérios biológicos e culturais serviu para justificar a exploração de povos colonizados e garantir a expansão econômica mercantilista. Essa base histórica consolidou um sistema de desigualdades que continua a operar nas sociedades contemporâneas, mesmo que de forma disfarçada sob discursos de igualdade formal, meritocracia e neutralidade institucional. É nesse contexto que se insere o conceito de racismo estrutural. Diferente da concepção individualista, que vê o racismo como uma falha ética ou moral de sujeitos específicos, e da concepção institucional, que aponta falhas nos mecanismos das organizações, a concepção estrutural entende que o racismo é inerente à própria lógica de funcionamento da sociedade. As instituições não apenas reproduzem o racismo, elas foram moldadas por ele. Dessa forma, desigualdades raciais são constantemente legitimadas e naturalizadas, como se fossem resultado de mérito ou esforço individual, e não de um sistema histórico e persistente de exclusão.
    A música “Morro Velho”, de Milton Nascimento, aproxima-se desse tema à medida que ilustra a dinâmica de permanência de estruturas arcaicas e racistas na formação do legado identitário brasileiro. A letra conta a história de um menino negro que cresce no interior, ajudando o pai na lavoura, enquanto o filho do patrão estuda e viaja. Esse contraste evidencia a reprodução das posições sociais com base na cor da pele, em um ciclo que se perpetua de geração em geração. A canção não acusa diretamente, mas denuncia um sistema em que a mobilidade social é limitada para os negros, e onde o sofrimento é naturalizado.
    A narrativa mostra como o menino, mesmo crescendo, permanece preso à mesma função do pai, enquanto o filho do senhor rompe com o espaço rural em busca de conhecimento e ascensão. Esse percurso desigual reflete o modo como a sociedade legitima formas de dominação racial por meio da divisão de espaços, oportunidades e destinos. Assim como Weber afirmou que a dominação legítima depende da crença dos dominados e dominantes na justiça da ordem existente, o racismo estrutural se sustenta por ideologias que explicam a desigualdade como algo natural e inevitável. 
    Portanto, a análise da legitimidade em Max Weber, combinada à crítica do racismo estrutural e à leitura da música “Morro Velho”, permite compreender como a dominação racial é legitimada e perpetuada nas sociedades contemporâneas. O racismo não é apenas um problema de atitudes individuais ou falhas institucionais, mas uma lógica de organização social que se manifesta em normas, valores, expectativas e práticas cotidianas. A obra de Milton Nascimento transforma essa crítica em arte, revelando as dores de uma estrutura que limita vidas desde a infância sob a vulgaridade do discurso de valorização do esforço individual para a mobilidade social. A verdade é que é necessário reconhecer a legitimidade do racismo como forma de dominação para enfrentá-lo em suas raízes mais profundas: nas instituições, na cultura e no inconsciente coletivo. Como nos ensinou Weber, o fato de algo ser legítimo não o torna justo, e a luta por justiça exige a ruptura com as formas convencionalmente aceitas de dominação.

Sophia Ferro, 1º ano - Direito (Noturno).

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