René Descartes, na primeira parte de sua obra O Discurso do Método, afirma que ler livros é como uma viagem, no sentido que ambos proporcionam um intercâmbio de informações entre diferentes povos e hábitos. Essa comparação, feita pelo autor em 1637, se aplica com ainda mais intensidade na contemporaneidade: com o desenvolvimento dos meios de comunicação, uma ideia, assim que publicada, pode simultaneamente ser acessada em qualquer parte do mundo. Com isso, é possível estabelecer um troca entre as experiências político-econômicas de inúmeros governos e seus efeitos sobre a sociedade.
A princípio, Descartes diz que esse intercâmbio é importante para que possamos julgar os nossos próprios hábitos com mais qualidade. De maneira análoga, é importante que analisemos os sistemas de governo aplicados em outros países, para que seja possível avaliar os efeitos positivos e negativos sobre a qualidade de vida da população. No entanto, é preciso também levar em consideração as razões pelas quais esses efeitos existem, ou seja, as condições em que o sistema foi aplicado, os problemas que ele foi desenvolvido para resolver, dentre outros fatores.
Nesse sentido, uma fala do autor adverte: não podemos viajar tanto a ponto de nos tornarmos estranhos em nossas próprias terras. Isso acontece com frequência no país, quando consideramos os sistemas políticos de países europeus, por exemplo, para argumentar que, como a sociedade europeia tem uma experiência positiva com eles, se o mesmo for aplicado ao Brasil, a nossa também terá. Tal concepção é consequência de uma visão equivocada sobre o contexto de formação de cada Estado: o Brasil, enquanto país colonizado, lida com problemas diretamente relacionados à exploração que sofreram -e sofrem até hoje, ao passo que os países da Europa são, historicamente, os colonizadores. Sob essa análise, entendemos que o paradoxo colonizador X colonizado permeia as condições econômicas e sociais que tentamos enfrentar hoje, e não faz sentido ignorar a realidade de nosso país e priorizar a de outro.
Em suma, é frustrada a tentativa de aplicar um regime político semelhante ao de um país que, ao mesmo tempo em que beneficia a própria nação, o faz às custas de outro, desde os primórdios, se aproveitando de matéria-prima, mercado consumidor e mão-de-obra que não pertencem a ele, justamente porque esses recursos pertencem a países como o Brasil. Por isso, ao mesmo tempo em que devemos, sim, viajar pelas ideias e costumes de outros lugares, precisamos, concomitantemente, analisar as razões pelas quais eles funcionam, e os meios pelos quais eles foram aplicados, de modo que seja possível desenvolver e aplicar um sistema que abarque as particularidades de nosso país.
Ana Clara Alves Gasparotto
DIREITO MATUTINO - 1o ano
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