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domingo, 4 de julho de 2021

Manga com leite

 



Um dia pedi para vovó me preparar uma vitamina de fruta e ela prontamente atendeu o meu pedido, me oferecendo todas as opções disponíveis: morango, banana e mamão. Percebi, contudo, que em cima da mesa tinha uma deliciosa manga e achei estranho que ela não tivesse me oferecido essa opção. Logo, falei “Vó, eu quero uma vitamina de manga! ”. Para minha surpresa, ela abriu os olhos espantada e disse “Querida, não se mistura leite com manga. A sobrinha da sua tia foi parar no hospital por causa disso”. Convencida do perigo de se misturar esses dois alimentos, pedi contrariada para que ela fizesse uma vitamina de banana.

Porém, a manga continuava em cima da mesa, extremamente cheirosa e apetitosa. Não consegui resistir a curiosidade e quando vovó foi ao mercado, resolvi, então, experimentar aquela mistura. Achei muito gostosa e pensei “se eu for parar no hospital pelo menos valerá a pena”. Mas as horas passaram e tudo ficou bem.

Anos depois e ainda penso nesse dia. Infelizmente não posso contar minhas descobertas para vovó, que ficaria perplexa ao descobrir que tudo não passava de uma invenção dos senhores do engenho para que os escravos não bebessem o seu precioso leite junto com as mangas de suas fazendas.

Analisando esse episódio, penso em como minha curiosidade infantil me levou a questionar uma crença pré-estabelecida e antecipada há anos na sociedade. Isso me remete ao método cartesiano, o qual é pautado na dúvida como princípio para chegar a clareza. Vovó também gostaria de estudar ele e pensar em como devemos controlar nossas convicções para entender o mundo um pouco melhor.

Vovó era muitas coisas. Fazia parte de uma ONG que auxiliava moradores de rua em São Paulo e sempre rebatia as críticas de quem dizia que ela protegia vagabundo. Ela adoraria saber que Francis Bacon defendia a “cura da mente humana”, que dizia que o apenas o simples raciocínio da mente poderia nos levar a um erro. No caso de moradores de rua, deve-se analisar toda a experiência social vivida e não apenas o ato observável.

Vovó adorava a natureza e cuidava do seu jardim com todo amor do mundo. Ela odiaria ver as florestas do mundo inteiro sendo queimadas para ao acúmulo de riquezas e falaria durante horas sobre o filme Ponto de Mutação e suas problematizações acerca da subversão de um instrumento de transformação funcional para o acúmulo de capital.

Aprendi muitas coisas convivendo com minha avó e gostaria de estar compartilhando todas essas reflexões com ela. Dona Carmen me faz refletir diariamente sobre tudo que aprendo.

Lorena Prado Silva – 1° Período Noturno



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