Ao ler e estudar as bases da ciência moderna, vê-se uma temática constante: a retirada do elemento humano no fazer científico, especialmente na visão empirista de Francis Bacon. Para Bacon, o conhecimento deve surgir não do pensar humano, mas sim exclusivamente da experiência dos sentidos. Um exemplo que o próprio pensador cita como falho é o estilo filosófico aristotélico da Grécia Antiga, em que de acordo com Bacon, mesmo considerando todos os séculos de filosofia e ciência grega, "... não há um único experimento de que se possa dizer que tenha contribuído para aliviar e melhorar a condição humana" (Novum Organum, p.35).
Esse caráter utilitarista nos leva a pensar na ciência não como o exercer do pensamento humano, mas como uma mera ferramenta que deve ser utilizada de uma maneira exata para o próprio melhoramento humano. Tanto Bacon quanto Descartes insistem nessa questão de "conhecimento útil", porém em análise, como se pode afirmar que determinado conhecimento é definitivamente útil? A utilidade de algo não surge de uma fonte imutável, mas sim do pensamento e análise daquele que elabora o conhecimento. Para um pensador de classe alta, sem preocupação com a crise de desemprego gerada pelo Covid-19, o número de trabalhadores na Grande São Paulo que entraram em situação de rua é completamente inútil, pois não há absolutamente nada que possa fazer com esse dado, mas para uma pessoas e organizações de caráter humanista, esse número pode muito bem ser a diferença de onde aplicar seus esforços. Não há um conhecimento inútil, há apenas um conhecimento esperando a aplicação certa pelo grupo certo.
Ademais, de toda a crítica feita aos pensadores gregos, várias ciências floresceram muito mais sob o pensamento abstrato dos gregos séculos antes de cristo do que anos antes dos pensamentos de Bacon. Enquanto que no século V a.C. Hipócrates já fazia relações entre grupos de risco e determinadas doenças, sabendo o melhor curso de tratamento disponível para estas, durante a própria vida de Bacon atuava a Inquisição Espanhola, que matou e torturou incontáveis mulheres por apenas saber quais ervas poderiam amenizar alguns males. Enquanto que em I a.C. Erastóstenes com apenas dois pedaços de madeira conseguiu decifrar a circunferência da Terra, apenas em 1522 foi-se aceito por todos pela viagem de Magalhães que a Terra pelo menos era redonda.
Essas objeções que faço sob o método da ciência moderna não devem ser interpretadas como uma noção minha de que é completamente inútil. Pelo contrário, esse texto surge justo da noção cartesiana de que a base do pensamento vem da dúvida, e havendo dúvida sobre esse método é o que motiva esse texto. Acredito eu que já passamos do momento no mundo de que o conhecimento deve ter um impacto direto no mundo. Mesmo que na administração atual tenhamos um regresso disso, é inegável o fato de que hoje temos o financiamento de pesquisas que há séculos atrás, seriam consideradas inúteis. O pensamento humano é o que discerne algo entre fato e conhecimento, e continuar em teses de quatro séculos que o pensamento deve fugir do labor da mente humana, estamos fadados a continuar num caminho de desvalorização da pesquisa e do saber.
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