Sob
a perspectiva da afamada frase de Simone de Beauvoir: “Ninguém nasce mulher,
torna-se.”, é possível perceber que os gêneros são frutos de uma construção
social, impondo padrões comportamentais aos indivíduos. Nesse âmbito, todos
aqueles que diferem-se de algum modo do que é imposto, tendem a sofrer represálias
que os moldam. Desse modo, ao analisar o filme Madame Satã, nota-se que o protagonista é reprimido em todos os
espaços sociais que ocupa. Isso deve-se também ao fato de estar adentrando em
um espaço preconceituoso que o vê com uma sobreposição de vulnerabilidades –
ser negro, pobre, marginalizado, homossexual e afins -, características que
forçam sua invisibilização. Assim sendo, devido a sua reclusa em se incluir em
padrões de gênero e a curvar-se ao sistema, João enfrenta diversos empecilhos
do decorrer de sua vida.
A
princípio, é nítido perceber que o posicionamento social de João Francisco é um
protesto à imposição do sistema, pois não compactua nem tenta incluir-se em um
determinado gênero – homem ou mulher. Ao estar incluso em um espaço que
desejava sua morte, a sua luta diária por sobrevivência, principalmente devido
ao preconceito, que resultava em tentativas de morte à população LGBTQI+,
contrastado pelo temor dos policiais de contagio de HIV, faziam com que os
travestis se cortassem para que a violência física diminuísse. Dessa forma, a
inexistência de uma proteção estatal gerava um ataque daqueles que deveriam
defender os cidadãos – ressalva de que esses indivíduos não eram sequer vistos
como portadores de direitos, uma vez que estes eram constantemente violados.
Outrossim,
ao lidar com esse embate policial, João não cede aos abusos policiais, sendo
preso diversas vezes, mas isso não impediu que dedicasse à sua personagem Madame Satã. O Crossdressing, ato de
transvestir-se, não define seu gênero, explicitado na frase do protagonista:
“Eu sou bicha porque eu quero, mas
não deixo de ser homem por isso não”. Sob
outro aspecto analítico, apesar de todo o filme estar contextualizado em um
Brasil dos anos 1930, percebe-se que não houve grandes avanços, até mesmo ações
que tentam dirimir e coibir agressões a essa população são questionadas por
vias burocráticas e metodistas, a fim de deslegitimar a ação - ADO –
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão que deseja criminalizar as
formas de homofobia e transfobia. Diante disso, há uma forte influência de um
conservadorismo religioso que ainda mantêm-se nas classes hegemônicas e que
repudia o modo de vida dos LGBTQI+.
Portanto, vê-se que o cenário ainda
continua permeado de preconceito, mas através de ações em conjunto da
população, seja integrante da classe LGBTQI+ ou não, e dos meios legais –
judiciário, legislativo -, pode-se vislumbrar um futuro melhor. Para o autor
McCann, isso representa a mobilização do direito, que pode ser definida como as
“ (...) ações de indivíduos, grupos ou
organizações em busca da realização de seus interesses e valores.” pode gerar
efeitos positivos na vivência social, quando bem articulados esses expoentes –
exemplo disso foi a criminalização da homofobia. Destarte, é possível conceber
uma melhoria e uma proteção para outros “Joões”,
alcançando uma sociedade isonômica e livre de preconceitos, seja esses social,
racial, sexual e afins.
Bianca
de Faria Cintra - Direito Noturno, 1º Ano.
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