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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Sobre o silêncio que não aconteceu


            Eu preciso falar sobre o silêncio porque nele tem um mundo inteiro. Queria que essa tivesse sido uma palestra em que a única situação que me chamou a atenção foi o conteúdo, porém, houve as risadas. Eu sequer as observei porque meu olhar não está treinado para perceber palestrantes tendo as pessoas rindo delas, e não com elas. Mas elas viram, é óbvio, porque estão acostumadas com a humilhação. A gente não devia, mas se acostuma. Porém, não creio que por ser diário a dor seja menor.
Elas esperaram em silêncio até o final da fala (afinal, para esse grupo, poder estar vivo para falar já é uma exceção) para tornar essa dor pública. Para deixar o desconforto em todos, porque, sinceramente, é nosso também. O único motivo para as risadas era o fato de as palestrantes serem mulheres transexuais. Quando te xingam, pelo menos você ainda existe, mas quando riem de você é como se sua voz desaparecesse aos pouquinhos até parar de existir e é como se você fosse nada. É um lembrete que você pode até estar ali, vivo, mas ainda é ninguém. Pois bem, elas nos disseram em alto e bom tom “Eu sou alguém! ” e as chamaram de malucas, barraqueiras e antiprofissionais. Nós queremos o silêncio por mais que ele mate e destrua. Queremos chamar a vítima de louca para não olharmos para nós mesmos e tentarmos melhorar. Não é loucura, ser uma minoria é estar com raiva o tempo inteiro, porra! É estar quase sempre esperando o pior, e, quando você não espera, acontece.
Além disso, elas nos ensinaram como elas não enlouquecem, mas poucos estavam lá para ver. Nos ensinaram que fazem rodas entre elas para fazer batalhas de dança, como as batalhas de rap mesmo, para canalizar a raiva do dia a dia. Que a indústria musical já roubou isso delas e que a cultura corria risco de desaparecer. Que o trabalho delas era manter isso vivo. Porém, infelizmente, poucos ouviram e isso é muito triste porque o único motivo para não ouvirem era quem estava falando e não o que.
Sofia Foresti – Direito noturno

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