Eu
preciso falar sobre o silêncio porque nele tem um mundo inteiro. Queria que
essa tivesse sido uma palestra em que a única situação que me chamou a atenção
foi o conteúdo, porém, houve as risadas. Eu sequer as observei porque meu olhar
não está treinado para perceber palestrantes tendo as pessoas rindo delas, e
não com elas. Mas elas viram, é óbvio, porque estão acostumadas com a
humilhação. A gente não devia, mas se acostuma. Porém, não creio que por ser
diário a dor seja menor.
Elas esperaram em silêncio até o final da
fala (afinal, para esse grupo, poder estar vivo para falar já é uma exceção) para
tornar essa dor pública. Para deixar o desconforto em todos, porque,
sinceramente, é nosso também. O único motivo para as risadas era o fato de as
palestrantes serem mulheres transexuais. Quando te xingam, pelo menos você
ainda existe, mas quando riem de você é como se sua voz desaparecesse aos
pouquinhos até parar de existir e é como se você fosse nada. É um lembrete que
você pode até estar ali, vivo, mas ainda é ninguém. Pois bem, elas nos disseram
em alto e bom tom “Eu sou alguém! ” e as chamaram de malucas, barraqueiras e
antiprofissionais. Nós queremos o silêncio por mais que ele mate e destrua.
Queremos chamar a vítima de louca para não olharmos para nós mesmos e tentarmos
melhorar. Não é loucura, ser uma minoria é estar com raiva o tempo inteiro,
porra! É estar quase sempre esperando o pior, e, quando você não espera,
acontece.
Além disso, elas nos ensinaram como elas
não enlouquecem, mas poucos estavam lá para ver. Nos ensinaram que fazem
rodas entre elas para fazer batalhas de dança, como as batalhas de rap mesmo,
para canalizar a raiva do dia a dia. Que a indústria musical já roubou isso
delas e que a cultura corria risco de desaparecer. Que o trabalho delas era
manter isso vivo. Porém, infelizmente, poucos ouviram e isso é muito triste porque o único motivo para não ouvirem era quem estava falando e não o que.
Sofia Foresti – Direito noturno
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