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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Madame Satã e a ADO 26


O filme “Madame Satã” (2002), direção de Karim Aïnouz traz a história de João Francisco dos Santos, interpretado por Lazaro Ramos, sujeito homossexual que adota o nome artístico de Madame Satã para  realizar suas performances transformistas  em um cabaré na periferia do Rio de Janeiro, na Lapa. O filme narra um curto período da vida dessa personagem real, focando no período que passa por sua transformação. O drama se passa no século XX em 1930, em um contexto de sociedade racista, homofóbica, classista, com ideologias de uma heranças escravocratas e extremamente desigual. Uma conjuntura não muito distante da sociedade atual.
            João Francisco dos Santos  no inicio do filme é descrito,tendo com base em um registro de um processo judicial interpolado contra ele, como “Desordeiro. Pederasta passivo. Usa suas sobrancelhas raspadas e adota atitudes femininas, alterando até a própria voz. Não tem religião alguma. Fuma, joga e é dado ao vício da embriaguez. Exprime-se com dificuldade e intercala, em sua conversa, palavras da gíria de seu ambiente. É de pouca inteligência. Não gosta do convívio da sociedade por ver que esta o repele, dados seus vícios. É visto sempre entre pederastas, prostitutas, proxenetas e outras pessoas do mais baixo nível social. Inteiramente nocivo à sociedade.”. Em tal explanação do perfil de João dos Santos evidencia o olhar pejorativo e marginalizador sobre um indivíduo negro, filho de escravos, homossexual, travesti e pobre. Madame Satã representa um grupo de indivíduos que por conta de suas particularidades e pelo simples fato de serem quem são sofreram e ainda sofrem discriminações e  são criminalizados.
            A criminalização devido a orientação sexual e identidade de gênero tem como exemplo uma operação de caça as travestis realizada pela Policia Civil de São Paulo, na década de 1980.  A operação ficou conhecida como “Operação Tarântula” e consistia em uma iniciativa própria dos policiais em prender arbitrariamente travestis na capital, a ação usava como pretexto o combate a Aids. A ação foi aplicada por um curto período, sendo suspensa por pressão de um grupo de defesa dos direitos LGBT. Mas mesmo com a vida curta da operação muitas trans e travestis foram perseguidas, um levantamento mostra que foram mais de 300. Ataques como este demonstram a posição de vulnerabilidade em que a comunidade LGBTQ+ se encontra, a repressão e violência contra o grupo sempre ocorreu e atualmente não é diferente.
         Diante disso, fica muito evidente a importância de colocar em pauta no judiciário a defesa dos direitos dos LGBTQ+ . Se não fossem ativistas fazendo pressão e repudiando a ação da polícia, no caso da operação Tarantula, o número de travestis e mulheres trans perseguidas e assassinadas seria muita mais expressivo. Estou me referindo a vidas humanas que são tiradas a cada 23 horas  no Brasil, repito, apenas por serem quem são; a expectativa de vida, em pleno 2019 ,das travestis é de apenas 35 anos, enquanto para um homem é de 73 anos.
Compreendendo a necessidade de amparo legal e concretização dos direitos de igualdade para esse grupo, foi requerido a  a ADO 26 em  buscando a criminalização de todas as formas de homofobia e transfobia e especificamente, como disposto no acórdão do STF, “Obter a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima, por ser isto (a criminalização específica) decorrência da ordem constitucional de legislar relativa ao racismo (art. 5º, XLII) ou, subsidiariamente, às discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI) [...]”. A ação de inconstitucionalidade foi aceita e o acórdão foi no sentido de criminalizar as condutas homofóbicas e transfóbicas. A decisão que o Poder Judicial adotou, em decorrência do histórico de preconceitos, perseguições, violências sofridos pelos LGBTQ+ , representado no filme “Madame Satã”,  não poderia ter sido contrária. Firmou-se com ela um grande avanço para a proteção material de direitos desse grupo, além do fato de ,como afirmou  Michael W. McCann (Poder Judiciário e a mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários”), os Tribunais são Instituições que com suas decisões geram um estopim de mudanças sociais e paradigmais, assim,com essa criminalização o tribunal consegue influenciar a sociedade e gerar as transformações reais em busca da proteção do direito a vida, igualdade e liberdade para a comunidade LGBTQ+.

Lívia Alves Aguiar  1ºAno - direito matutino

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