O filme “Madame Satã” (2002), direção de
Karim
Aïnouz traz a história de João
Francisco dos Santos, interpretado por Lazaro Ramos, sujeito homossexual que
adota o nome artístico de Madame Satã para
realizar suas performances transformistas em um cabaré na periferia do Rio de Janeiro,
na Lapa. O filme narra um curto período da vida dessa personagem real, focando
no período que passa por sua transformação. O drama se passa no século XX em
1930, em um contexto de sociedade racista, homofóbica, classista, com ideologias de uma heranças
escravocratas e extremamente desigual. Uma conjuntura não muito distante da
sociedade atual.
João
Francisco dos Santos no inicio do filme
é descrito,tendo com base em um registro de um processo judicial interpolado
contra ele, como “Desordeiro. Pederasta passivo. Usa suas
sobrancelhas raspadas e adota atitudes femininas, alterando até a própria voz.
Não tem religião alguma. Fuma, joga e é dado ao vício da embriaguez. Exprime-se
com dificuldade e intercala, em sua conversa, palavras da gíria de seu
ambiente. É de pouca inteligência. Não gosta do convívio da sociedade por ver
que esta o repele, dados seus vícios. É visto sempre entre pederastas,
prostitutas, proxenetas e outras pessoas do mais baixo nível social.
Inteiramente nocivo à sociedade.”. Em tal explanação do perfil de João dos
Santos evidencia o olhar pejorativo e marginalizador sobre um indivíduo
negro, filho de escravos, homossexual, travesti e pobre. Madame Satã representa
um grupo de indivíduos que por conta de suas particularidades e pelo simples
fato de serem quem são sofreram e ainda sofrem discriminações e são criminalizados.
A
criminalização devido a orientação sexual e identidade de gênero tem como exemplo uma operação de caça as travestis realizada pela Policia Civil
de São Paulo, na década de 1980. A
operação ficou conhecida como “Operação Tarântula” e consistia em uma
iniciativa própria dos policiais em prender arbitrariamente travestis na
capital, a ação usava como pretexto o combate a Aids. A ação foi
aplicada por um curto período, sendo suspensa por pressão de um grupo de defesa
dos direitos LGBT. Mas mesmo com a vida curta da operação muitas trans e
travestis foram perseguidas, um levantamento mostra que foram mais de 300.
Ataques como este demonstram a posição de vulnerabilidade em que a comunidade
LGBTQ+ se encontra, a repressão e violência contra o grupo sempre ocorreu e
atualmente não é diferente.
Diante disso, fica muito evidente a importância de
colocar em pauta no judiciário a defesa dos direitos dos LGBTQ+ . Se não fossem
ativistas fazendo pressão e repudiando a ação da polícia, no caso da operação
Tarantula, o número de travestis e mulheres trans perseguidas e assassinadas
seria muita mais expressivo. Estou me referindo a vidas humanas que são
tiradas a cada 23 horas no Brasil, repito, apenas por serem quem são; a expectativa
de vida, em pleno 2019 ,das travestis é de apenas 35 anos, enquanto para um homem é de 73 anos.
Compreendendo a necessidade de amparo
legal e concretização dos direitos de igualdade para esse grupo, foi requerido
a a ADO 26 em buscando a criminalização de todas as formas
de homofobia e transfobia e especificamente, como disposto no acórdão do STF, “Obter
a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia,
especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas),
dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual
e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima, por ser isto (a
criminalização específica) decorrência da ordem constitucional de legislar
relativa ao racismo (art. 5º, XLII) ou, subsidiariamente, às discriminações
atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI) [...]”. A ação
de inconstitucionalidade foi aceita e o acórdão foi no sentido de criminalizar
as condutas homofóbicas e transfóbicas. A decisão que o Poder Judicial adotou, em
decorrência do histórico de preconceitos, perseguições, violências sofridos
pelos LGBTQ+ , representado no filme “Madame Satã”, não poderia ter sido contrária. Firmou-se com
ela um grande avanço para a proteção material de direitos desse grupo, além do fato de ,como afirmou
Michael W. McCann (Poder Judiciário e a mobilização do direito:
uma perspectiva dos “usuários”), os Tribunais são Instituições que com suas
decisões geram um estopim de mudanças sociais e paradigmais, assim,com essa
criminalização o tribunal consegue influenciar a sociedade e gerar as transformações
reais em busca da proteção do direito a vida, igualdade e liberdade para a comunidade LGBTQ+.
Lívia Alves Aguiar 1ºAno - direito matutino
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