O filme “Madame Satã”,
lançado em novembro de 2002, expõe a realidade de diversas travestis desde a
época por ele abordada (anos 30) até os dias atuais. A obra dirigida por Karim
Ainouz retrata a vida de João Francisco dos Santos, sujeito que por ser preto,
pobre, ex-presidiário e homossexual preenchia todos os requisitos para se encaixar
nos padrões de marginalização social da época e que, ainda assim, performava
nos bares noturnos com o nome artístico de “Madame Satã”.
Nesse sentido, o
cine-debate realizado na VI Semana de Sexualidade e Gênero na Unesp-Franca
trouxe duas integrantes transexuais do Coletivo “Casixtranha” de Araraquara para
o enriquecimento da discussão. Em suas falas, trouxeram, dentre outras
contribuições, a discussão a respeito da vida das travestis, transexuais e performistas
ainda no cenário que sucedeu àquele retratado pelo filme, tendo em vista que durante
a própria Ditadura Militar foi realizada operação que objetivava o
encarceramento desses grupos nas ruas de São Paulo (Operação Tarântula), levando-os
a situações extremas para que as prisões fossem evitadas, como a automutilação
visando ao afastamento dos guardas policiais que receavam contrair supostas
doenças.
Destarte, a pauta da
criminalização da homofobia chegou no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio
de duas ações judiciais: um Mandado de Injunção (MI 4733) requerido em 2012
pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis,
Transgêneros e Intersexos (ABGLT) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão (ADO), solicitada pelo Partido Popular Socialista (PPS) em 2013. Nas
ações, solicitam uma maior especificidade na Constituição Federal a respeito de
práticas homo e transfóbicas, mormente em seu artigo 5°, visto que aborda a
punição à “discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.
Por 8 votos a 3, a homofobia e a transfobia foram consideradas crimes,
incluídas, para tanto, no crime de racismo previsto no artigo 20 da Lei
7.716/1989 e por 10 votos a 1 a mora do Congresso Nacional em legislar sobre tais
crimes também foi reconhecida.
Sucede-se, então, a discussão
da efetividade da criminalização da LGBTfobia acomodada pelo STF ao levar-se em
conta toda a situação acima exposta em que se insere o público LGBTQIA+. De
forma geral, mostrava-se clara a necessidade de uma intervenção que abrangesse
efeitos morais, isto é, que chamasse a atenção do povo brasileiro ao cenário de
violência em seus diversos aspectos a que é submetido esse grupo e, obviamente,
efeitos pragmáticos, de modo que esse cenário seja, gradativamente, extinto do
contexto social brasileiro.
Entretanto, uma das pautas
mais abordadas pelos integrantes do Supremo foi a mora do Legislativo, ou seja,
toda a desatenção e atraso na discussão de assuntos que necessitam de soluções
cada vez mais imediatas, dentre os quais se encaixa a LGBTfobia. Ora, é claro
que deve-se relembrar a problemática da imbricação dos poderes, já abordada por
Montesquieu, que demonstra a interposição e a confusão de funções atribuídas
aos três poderes, mas, além disso, deve-se relembrar o sistema de freios e
contrapesos, que admite a regulação do poder pelo próprio poder, legitimando,
no caso, a atuação do Judiciário já que é visível a movimentação do Legislativo
em sentido contrário.
Logo, para que o filme “Madame
Satã” torne-se cada vez menos atual e mais emblemático, é necessária a luta
popular visando à efetivação da decisão do STF, a fim de que esta questão não tenha
sido trazida à tona com a mera pretensão do Judiciário de “livrar-se” por ter “feito
a sua parte”, sobressaindo, então, a ideia de reparação de danos à um grupo
populacional brasileiro que tem sido vítima do preconceito e da violência desde
o seu surgimento.
Turma XXXVI - Direito Matutino
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