Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

À Madame Satã que ninguém vê

     
                   "Madame Satã" é um filme nacional extremamente provocativo, ao mesmo tempo que não deixa de refletir uma certa contemporaneidade em seus mosaicos cinematográficos. Lançado em 2002, dirigido por Karim Ainouz e estrelado por Lázaro Ramos, o longa metragem conta a história de João Francisco dos Santos. É num bairro periférico do Rio de Janeiro ─ já em grande parte associado à vida marginalizada ─ a Lapa, em 1930, que a trama se sucede. A personagem principal é primeiramente apresentada em uma delegacia, onde sua descrição para ser fichado é feita por um policial: preto, pobre, homossexual, já tendo sido processado por diferentes tipos de crime, incluindo agressão e homicídio, assim descrito pelo narrador como “propenso ao crime”.
Em contrapartida ao esperado, considerado não só o contexto histórico-social como também político em que o enredo transita, João Francisco sem medo apresenta sua sexualidade assim como se identifica e nas noites cariocas em uma casa de show é conhecido pela personagem “Madame Satã”, após ganhar um concurso de fantasia do bloco Caçadores de Veados no carnaval.
“bicha, crioulo, viado, safado, boca de chupar-rola”, são palavras gritadas por um homem embriagado em meio a multidão em uma de suas apresentações. Diante de tais agressões, João leva dele um soco no rosto, posteriormente, em fúria assassinando-o com três tiros – e é condenado a dez anos de prisão.
Assim como cita Anselmo Peres Alós, Mestrando em estudos literários na Universidade Federal de Santa Maria, em  “A rubra ascese queer de João Francisco dos Santos: Madame Satã, do testemunho às telas”:

“Enquanto a polícia mobiliza o discurso médico-jurídico para construir a identidade doentia, marginal e criminosa de João Francisco, ele próprio utilizará uma linguagem não-verbal para se constituir como um 
híbrido de convenções masculinas e femininas”.

Fato é que, ao mesmo tempo que se tem representados diferentes tipos de agressões, não há que se discutir que um cidadão desde que nascido, colocado a margem da sociedade compondo minorias como negro e homossexual, que ainda atua em performances com transformações de gênero – não é hoje uma grande parte da realidade contemporânea. Contudo, uma mobilização do Direto frente à essas dificuldades, pela própria ideia de existência, como a  Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, movida pelo o Supremo Tribunal Federal (STF), transcendem preconceitos herdados e reproduzidos nas diferentes esferas da sociedade, inclusive jurídica. A inclusão de atitudes LGBTfóbicas em alinhamento à Lei nº. 7716/1989, que pauta o  racismo foi intensamente discutida, sendo acatada pelo órgão em face do crescente e violento número de agressões, não só verbais como físicas, provocadas à essa minoria.
Cientes que casos como os vivenciados por João Francisco aconteceram, acontecem e mesmo com a nova decisão do STF vão continuar acontecendo, muitos os quais nunca ouvimos nem ouviremos falar, caminhar por meios democráticos à um novo caráter de existência reconhecido juridicamente, é um passo que deve ser assim considerado "à madame satã que ninguém vê". Que ninguém quer ver, que ninguém quer ouvir, que ninguém quer saber - e que todo mundo finge que não existe, mesmo estando ao nosso lado.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário