Em “Madame Satã”, Lázaro Ramos dá vida a João Francisco dos
Santos, negro e transformista, em um cenário marcado pela rejeição e objetificação.
A história se passa no Rio em meados da primeira metade da metade do século XX
e desvela o cotidiano e a marginalização decorrente de sua condição social, de
seu gênero e da condição de ex-presidiário. A obra inova, entretanto, ao
apresentar esse ambiente partindo da perspectiva dessas minorias segregadas pelas
tarjas que lhe são socialmente impostas. Denuncia a violência, a marginalização,
a repressão policial e violência racial.
Madame Satã assume papel de destaque porque encarna com coragem
e audácia que lhe são ímpares um amálgama dos papéis que a sociedade brasileira
de então excluía, além de negro e pobre, eventualmente em condição de rua, não se
furta de expor sua arte e indagar os valores vigentes. Em decorrência, vê-se
recluso à uma vida marginal marcada por reiterados encarceramentos.
João Francisco encontrava-se num contexto de exclusão de tal
maneira hostil a sua existência que, usando de sua arte para romper barreiras,
não se encontrou em condições de mobilizar o direito para garantir o respeito à
sua existência. O que se observa é o preciso oposto: o direito mobilizado para
reprimir, para sufocar e para encarcerar. A luta pelo reconhecimento dos direitos
da população LGBT+ toma novos ares a partir da segunda metade do século XX.
Antes reclusos à resistência, passam a encontrar voz na luta por ações afirmativas
que objetivam garantir-lhes as condições mínimas para buscar a própria
felicidade. Essa mudança de perspectiva, entretanto, não encontra eco nos mecanismos
de representação popular, de maneira que a única solução encontrada é a
judicialização da luta pela igualdade e pela possiblidade de existir com dignidade.
Exemplo notório é a criminalização da homofobia, operada pela STF, que visa
coibir com tutela penal ações de discriminação. O direito antes mobilizado para
oprimir, agora se encontra em condições de proteger.
Genilson Faria - noturno
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