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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

A arte como forma de emancipação livre de preconceitos e intolerância

     O longa metragem Madame Satã tem como principal tema, abordar questões como a homofobia e o preconceito enraizado no Brasil desde os séculos passados. É sobre explicitar as formas de vivência extremamente violentas que pessoas como João Francisco dos Santos passaram. Morador da periferia do Rio de Janeiro durante o século XX, travesti, negro e homossexual, João passou por diversas lutas sociais, que eram vividas cotidianamente, cercadas por violência, preconceito, intolerância e diversas outras formas de depreciação que um indivíduo pode obter. Com uma forte personalidade e desejo de ser, pelo menos uma vez, visto com respeito e admiração pelos outros, Madame Satã é um filme sobre a realidade brasileira da sua forma mais crua, um país onde a vontade de existir perante os outros e a si mesmo é gritante, e as expressões são intensas, extensas e estonteantes. Para uma parcela da população, absurdas.
        É através de sua manifestação artística enquanto Madame Satã, que João consegue ganhar o mínimo de voz dentro dos espaços que eram permitidos para que pessoas como ele pudessem frequentar. Durante o filme, ele é descrito como alguém com pouca inteligência e propenso a cometer crimes. Tais atribuições são dadas a ele com uma estruturação de preconceito histórico enorme, a partir de uma visão vinda de uma classe dominante que não aceita a existência de pessoas como João e de personalidades como a Madame Satã. Obter o espaço de fato, é algo a ser concedido a qualquer ser humano por direito. Livre arbítrio é um direito e, portanto, as vontades daqueles indivíduos que não se encaixam em um padrão social específico devem ser respeitadas por completo. Sem depreciação, sem intolerância ou opiniões que desfaçam as lutas travadas por essas pessoas.
           Apenas com o ADO 26, documento responsável pela criminalização da homofobia, que a legalidade entrou no processo a fim de validar essas lutas e esses anseios populares de um contingente específico de pessoas a partir de um contexto de judicialização. Nesse documento, a transfobia e a homofobia possuem o mesmo enquadramento de um crime de racismo, afinal, atos assim, são entendidos como “discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais”. A mobilização de variados grupos que compartilham das mesmas experiências dentro de um contexto de violência fará com que o direito seja alcançado, de forma que esses atores sociais poderão realizar a diferença dentro dos ditames padronizados que a sociedade adquiriu, se rebelando contra eles e adquirindo seu espaço, que sempre foi um direito negado e agora passa a não ser mais, com a validação desse processo histórico enquanto legítimo e digno de retratação.
              Por toda a repressão social que essa população sofre, é preciso entender a como de seu a historicidade com o decorrer do tempo, quais foram as limitações que esses indivíduos tiveram que legitimou o preconceito, a intolerância e as agressões diárias, tanto físicas como psíquicas. A partir da reconstrução desse cenário bárbaro de violência em todos os âmbitos que os atores sociais poderão buscar os direitos que sempre lhes foram negados. Além do mais, são provas históricas como a vida de João dos Santos que irão validar esse processo, juntamente com a expressão de Madame Satã, e também, a arte de Karim Ainöuz, que fez brilhar o grandioso longa metragem trazendo formas de contestação para uma parcela marginalizada, e mostrando que ser diferente também pode ser livre.

                                                      


Victor Sawada, Direito - Matutino


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