O longa metragem Madame Satã tem como principal tema, abordar questões
como a homofobia e o preconceito enraizado no Brasil desde os séculos passados.
É sobre explicitar as formas de vivência extremamente violentas que pessoas
como João Francisco dos Santos passaram. Morador da periferia do Rio de Janeiro
durante o século XX, travesti, negro e homossexual, João passou por diversas
lutas sociais, que eram vividas cotidianamente, cercadas por violência,
preconceito, intolerância e diversas outras formas de depreciação que um
indivíduo pode obter. Com uma forte personalidade e desejo de ser, pelo menos
uma vez, visto com respeito e admiração pelos outros, Madame Satã é um filme
sobre a realidade brasileira da sua forma mais crua, um país onde a vontade de existir
perante os outros e a si mesmo é gritante, e as expressões são intensas,
extensas e estonteantes. Para uma parcela da população, absurdas.
É através de sua manifestação artística
enquanto Madame Satã, que João consegue ganhar o mínimo de voz dentro dos
espaços que eram permitidos para que pessoas como ele pudessem frequentar.
Durante o filme, ele é descrito como alguém com pouca inteligência e propenso a
cometer crimes. Tais atribuições são dadas a ele com uma estruturação de
preconceito histórico enorme, a partir de uma visão vinda de uma classe
dominante que não aceita a existência de pessoas como João e de personalidades
como a Madame Satã. Obter o espaço de fato, é algo a ser concedido a qualquer
ser humano por direito. Livre arbítrio é um direito e, portanto, as vontades
daqueles indivíduos que não se encaixam em um padrão social específico devem
ser respeitadas por completo. Sem depreciação, sem intolerância ou opiniões que
desfaçam as lutas travadas por essas pessoas.
Apenas com o ADO 26, documento
responsável pela criminalização da homofobia, que a legalidade entrou no
processo a fim de validar essas lutas e esses anseios populares de um
contingente específico de pessoas a partir de um contexto de judicialização.
Nesse documento, a transfobia e a homofobia possuem o mesmo enquadramento de um
crime de racismo, afinal, atos assim, são entendidos como “discriminações
atentatórias a direitos e liberdades fundamentais”. A mobilização de variados
grupos que compartilham das mesmas experiências dentro de um contexto de
violência fará com que o direito seja alcançado, de forma que esses atores
sociais poderão realizar a diferença dentro dos ditames padronizados que a
sociedade adquiriu, se rebelando contra eles e adquirindo seu espaço, que
sempre foi um direito negado e agora passa a não ser mais, com a validação
desse processo histórico enquanto legítimo e digno de retratação.
Por toda a repressão social que
essa população sofre, é preciso entender a como de seu a historicidade com o
decorrer do tempo, quais foram as limitações que esses indivíduos tiveram que
legitimou o preconceito, a intolerância e as agressões diárias, tanto físicas
como psíquicas. A partir da reconstrução desse cenário bárbaro de violência em
todos os âmbitos que os atores sociais poderão buscar os direitos que sempre
lhes foram negados. Além do mais, são provas históricas como a vida de João dos
Santos que irão validar esse processo, juntamente com a expressão de Madame
Satã, e também, a arte de Karim Ainöuz, que fez brilhar o grandioso longa metragem
trazendo formas de contestação para uma parcela marginalizada, e mostrando que
ser diferente também pode ser livre.
Victor Sawada, Direito - Matutino
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