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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Breves reflexões sobre a ADO 26 à luz do filme Madame Satã


Na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou os mandamentos constitucionais de punição em razão de discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI, CF) e da prática de racismo em virtude da orientação sexual ou da identidade de gênero da pessoa (art. 5º, XLII, CF). O STF julgou a ação procedente, com repercussão geral e efeito vinculante, o que implicou consequências importantes para o tratamento jurídico e social da questão.

Em primeiro lugar, em virtude do próprio caráter da ADO como instrumento de concretização de direitos fundamentais, o Poder Legislativo pátrio foi notificado sobre a injustificável mora inconstitucional referente a falta de edição de norma ordinária que regulamente as determinações constitucionais do art. 5º, incisos XLI e XLII, para a proteção do grupo LGBTI+. Em segundo lugar, o STF enquadrou, pelo princípio da interpretação conforme, as práticas de homofobia e transfobia no conceito de racismo previsto na Lei nº 7.716/89, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, até que o Congresso Nacional edite norma que implemente as determinações constitucionais supracitadas.

Nesse breve ensaio, busca-se identificar alguns pontos de contato entre a ADO 26 e o filme franco-brasileiro “Madame Satã”. O filme, produzido em 2002, é considerado um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos e retrata episódios da vida de João Francisco dos Santos, pernambucano radicado na cidade do Rio de Janeiro, que em virtude de ser negro e homossexual passa por inúmeros episódios em que sofre preconceito. No filme, o ator brasileiro Lázaro Ramos, interpreta João Francisco, que ficou conhecido como Madame Satã, em virtude de um episódio em que, após ser conduzido a uma delegacia, negou-se a informar seu nome ao delegado, que o designou, pejorativamente, de Madame Satã.

No filme, estabelece-se um ciclo, quando João passa por um episódio de humilhação, em virtude de sua sexualidade, responde com agressividade, sendo que, na maioria das vezes, há o cometimento de crimes. Exemplos que elucidam a assertiva supracitada são: o homicídio que João comete após um cliente de um bar tê-lo chamado de “viado”; e a agressão desferida por João contra a vedete Josephina Baker, que o humilhou pelo uso de suas roupas. Esses episódios demonstram a ocorrência do racismo social, ou seja, aquele que se expande para além de aspectos biológicos ou fenotípicos, sendo o resultado

de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito. (STF, 2019)


Em suma, é possível inferir que se os episódios de humilhação sofridos por João tivessem ocorrido após a decisão do STF, que criminalizou a homofobia, possivelmente poderiam ser enquadrados como crime. Desse modo, observa-se que a decisão do STF contemplou uma minoria que, a exemplo do que ocorreu com João, sofre diariamente com episódios de desrespeito e intolerância, em virtude de sua orientação sexual.
    
Kleber – RA 191222471 - UNESP - Direito - 1º ano DIURNO – POSTAGEM EXTRA

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