Na
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, o Supremo Tribunal
Federal (STF) analisou os mandamentos constitucionais de punição em razão de discriminação atentatória aos direitos e
liberdades fundamentais (art. 5º, XLI, CF) e da prática de racismo em virtude
da orientação sexual ou da identidade de gênero da pessoa (art. 5º, XLII, CF). O
STF julgou a ação procedente, com repercussão geral e efeito vinculante,
o que implicou consequências importantes para o tratamento jurídico e social da
questão.
Em
primeiro lugar, em virtude do próprio caráter da ADO como instrumento de
concretização de direitos fundamentais, o Poder Legislativo pátrio foi
notificado sobre a injustificável mora inconstitucional referente a falta de
edição de norma ordinária que regulamente as determinações constitucionais do
art. 5º, incisos XLI e XLII, para a proteção do grupo LGBTI+. Em segundo lugar,
o STF enquadrou, pelo princípio da interpretação conforme, as práticas de
homofobia e transfobia no conceito de racismo previsto na Lei nº 7.716/89, que
define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, até que o
Congresso Nacional edite norma que implemente as determinações constitucionais
supracitadas.
Nesse
breve ensaio, busca-se identificar alguns pontos de contato entre a ADO 26 e o
filme franco-brasileiro “Madame Satã”. O filme, produzido em 2002, é
considerado um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos e retrata episódios
da vida de João Francisco dos Santos, pernambucano radicado na cidade do Rio de
Janeiro, que em virtude de ser negro e homossexual passa por inúmeros episódios
em que sofre preconceito. No filme, o ator brasileiro Lázaro Ramos, interpreta
João Francisco, que ficou conhecido como Madame Satã, em virtude de um episódio
em que, após ser conduzido a uma delegacia, negou-se a informar seu nome ao
delegado, que o designou, pejorativamente, de Madame Satã.
No
filme, estabelece-se um ciclo, quando João passa por um episódio de humilhação,
em virtude de sua sexualidade, responde com agressividade, sendo que, na
maioria das vezes, há o cometimento de crimes. Exemplos que elucidam a assertiva
supracitada são: o homicídio que João comete após um cliente de um bar tê-lo
chamado de “viado”; e a agressão desferida por João contra a vedete Josephina
Baker, que o humilhou pelo uso de suas roupas. Esses episódios demonstram a
ocorrência do racismo social, ou seja, aquele que se expande para além de
aspectos biológicos ou fenotípicos, sendo o resultado
de uma
construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a
desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à
subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade
daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao
estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são
considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do
ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de
perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema
geral de proteção do direito. (STF, 2019)
Em
suma, é possível inferir que se os episódios de humilhação sofridos por João
tivessem ocorrido após a decisão do STF, que criminalizou a homofobia,
possivelmente poderiam ser enquadrados como crime. Desse modo, observa-se que a
decisão do STF contemplou uma minoria que, a exemplo do que ocorreu com João,
sofre diariamente com episódios de desrespeito e intolerância, em virtude de sua
orientação sexual.
Kleber – RA 191222471 -
UNESP - Direito - 1º ano DIURNO – POSTAGEM EXTRA
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