“...
é conhecidíssimo na jurisdição desse distrito policial como desordeiro sendo
frequentador da Lapa e suas mediações. É pederasta passivo, usa as sobrancelhas
raspadas e adota atitudes femininas alterando até a própria voz. Não tem
religião alguma. Fuma, joga, e é dado ao vício da embriaguez. Sua instrução é
rudimentar, exprime-se com dificuldade e intercala em sua conversa palavras da
gíria de seu ambiente. É de pouca inteligência, não gosta do convívio da
sociedade por ver que esta o repele dado os seus vícios. É visto sempre entre
pederastas, prostitutas, proxenetas e outras pessoas do mais baixo nível
social. Ufana-se de possuir economias, mas como não ofere provento de trabalho
digno, só pode ser essas economias produtos de atos repulsivo ou criminosos.[...]
É um indivíduo de temperamento calculado, propenso ao crime, e por todas as
razões inteiramente nocivo à sociedade.”
É com esse discurso que o
longa metragem “Madame Satã” se inicia. Falando da vida de João Francisco dos
Santos, o filme irá tratar de questões que sempre serviram, no meio social,
como forma de exclusão total desses indivíduos da sociedade. Pessoas assim como
João: negro, pobre, homossexual, travesti, sempre foram vítimas da intolerância
pautada em toda uma história de preconceitos e batalham dia e noite para
obterem sequer o mínimo de espaço no mundo, fazendo com que sua voz seja
ouvida. Seja essa voz sendo explicitada na arte, na luta e até mesmo da quebra
de regras, como forma de romper com a ordem instalada, feita para compreender e
responder aos anseios de uma classe dominante.
Um filme que trata dos
indivíduos marginalizados pelo meio social é de extrema importância para se
compreender as formas de se conquistar os direitos já garantidos pela constituição
à todas as pessoas, porém que não se cumpre. Vemos pessoas que não se encaixam
no padrão estabelecido pela sociedade sobre o que é certo ou errado, e que
automaticamente serão ignoradas, marginalizadas e violentadas de diversas
formas. Madame Satã é um ícone de ressurgência, não só carrega uma profundidade
personalística como também expele seus desejos de mudança, de conquista por um
espaço livre. Livre de amarras ao preconceito, à intolerância, à justificativa
racial de crime e desordem pautada em pensamentos repulsivos de superioridade.
É com o documento ADO 26
que será exigido legalmente que questões como a homofobia, sejam criminalizadas
o mais rápido possível. Com a união de grupos que fazem parte da mesma
realidade que João da Silva será possível questionar essa vivência sofrida que
inspirou um contingente de pessoas significativo, e também, explorar quais são
as razões que fazem com que essas pessoas compartilhem da mesma vivência.
Apenas através da luta pelo direito de fato, irão se obter conquistas válidas
que poderão fazer jus à todos aqueles personagens da historicidade que lutaram
antes por essas mesmas concessões, por esses mesmos direitos.
Beatriz Dias de Sousa, 1 ano Direito - noturno
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