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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Madame Satã e o dever do STF


O filme de 2001 “Madame Satã” gira em torno da vida de um personagem negro, pobre e homessexual na década de 1930, chamado João. Interpretado por Lázaro Ramos, este personagem se desenvolve em toada a se tornar uma das principais figuras da noite carioca, Madame Satã. Uma performista que se apresentava nos bares do Rio de Janeira, semelhantemente ao que se entende hoje como DragQueen. Muito embora esta seja a trama principal da obra, o plano de fundo da invisibilidade e da violência social que recai sobre João traz à tona reflexões muito atuais, que podem ser vistas em voga até hoje, mormente na recente discussão do Supremo Tribunal Federal acerca da criminalização da LGBTfobia.
            No julgamento da ADO 26, no dia 13 de junho de 2019, os ministros da Corte Constitucional decidiram por enquadrar atitudes LGBTfóbicas nos termos da Lei nº. 7716/1989 (lei do racismo). A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão julgada levantou calorosas discussões sobre as razões desta medida ser tomada e avaliada pelo STF. O resultado da votação dos ministros em sentido procedente da criminalização não foi unânime, sendo 8 ministros favoráveis, 2 contrários e 1 se absteve.
            A ministra Cármen Lúcia em seu voto arguiu no sentido de que o STF, como defensor das garantias constitucionais fundamentais, não pode se calar frente a omissão do Legislativo quanto às milhares de mortes de pessoas LGBT decorrentes de atitudes de ódio. Destarte, mesmo que a Suprema Corte da República não seja um poder constituído cuja competência é prescrever novos crimes, o Supremo tem o dever constitucional de manter a plena eficácia e titularidade dos direitos fundamentais individuais e sociais (arts. 5º e 6º, CF/88). Ademais, a ministra afirma que deve se reconhecer e garantir a existência plena de todos os indivíduos nas suas particularidades e individualidades, este fato se relaciona diretamente com alguns trechos do filme em que o personagem é hostilizado pela sociedade por ser “diferente” do padrão “normal”. Por fim, a magistrada reitera no seu voto o dever do STF em apreciar esta questão, reforçada pelo trecho “A tutela dos direitos fundamentais há de ser plena, para que a Constituição não se torne mera folha de papel”.
            A posição adotada pela ministra citada foi adotada por todos aqueles que votaram em sentido procedente da ação, todavia, os votos contrários se pautaram no fato de o STF não dever agir criando um novo tipo penal, o que quebraria o princípio da Legalidade. Contudo, os votos vencidos não se diziam contra a criminalização per si, mas eram contrários à forma procedimental que estava sendo feita. Esta tese foi sustentada pelos ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Entretanto, adotar esta ideia de que deve se deixar a cargo do Legislativo decidir tal matéria mesmo em vista que não houve movimento deste Poder em sentido de criar legislação que assegure tais garantias essenciais à comunidade LGBT seria descumprir o papel de guardião da constituição que o Supremo titulariza.
            Enfim, a ação do STF em reconhecer que atitudes LGBTfóbicas devem ser enquadradas criminalmente foi um avanço quanto às pautas de garantias sociais. Além disso, reforça um dos princípios fundantes do Estado Brasileiro, a Dignidade da Pessoa Humana (art.1º, III, CF/88). Portanto, tal decisão pode mudar o cenário para todos os brasileiros LGBTs que poderão ter mais segurança e finalmente gozar da eficácia de suas garantias fundamentais e individuais. E, assim viver uma vida sem experienciar toda violência perpassada por João, personagem do filme supracitado.

Luiz Felipe de Aragão Passos - 1º Ano de Direito/Diurno.

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