O
Cine-debate acerca de Madame Satã, estruturado ao longo da VI Semana
de Sexualidade e Gênero, apresentou-se elementar na composição do
que se concebe como “ecologia de direitos”. A obra, responsável
por protagonizar o ícone cultural de João Francisco dos Santos,
revela a marginalização histórica de um nicho identitário que é,
há décadas, negligenciado pelas instâncias jurídicas nacionais e
seus órgãos administrativos, mantendo-se às sombras dos enfoques
midiáticos e políticos, predominantemente organizados sob a égide
de um costume ocidental hegemônico.
A
insurgência própria à subcultura – no sentido minoritário e
carente de representatividade formal – manifesta no longa, exposta
explícita e simbolicamente, capitaneia a dinâmica social de um
quadrante – até então – duplamente desamparado: jurídica e
popularmente. A primazia do Direito ocidental, movido às engrenagens
eurocêntricas, constituiu o processo de isolamento às vertentes
socioculturais díspares ao que se compreendia e, ainda parcialmente,
compreende-se como “dever-ser”
das condutas individuais. Com base nisso, atrelando-se o panorama
evidenciado por Madame Satã ao arcabouço teórico de McCann, o
poder formativo da atividade judicial, adepto
de postura continuamente niilista às expressões do público
LGBTQI+, corrobora para a elaboração do caráter intolerante
presente na sociedade civil brasileira. A discricionariedade imanente
à magistratura, ao optar ou não por estabelecer um vínculo
institucional garantista aos múltiplos movimentos de demanda social,
posiciona-se – simultaneamente – perante
a consolidação de tais correntes, na esfera política.
Nesse
ínterim, a relevância remetente ao transformista e à obra
cinematográfica adquire proporções imensuráveis. O posicionamento
de afronte e contestação aos moldes comportamentais vigentes,
enunciado na figura emblemática de Madame Satã, promove
um amplo e gradual processo dialético na configuração macro da
nação brasileira, propiciando a revitalização de um movimento
reivindicatório perpetuamente fragilizado pelos aparelhos de
repressão estatal e cultural. O filme, por sua vez, originário da
esfera artística, insere-se – inevitavelmente – no seio das
pautas identitárias, políticas e sociais, reintroduzindo a
simbologia emanada de João Francisco dos Santos na
contemporaneidade.
Por
fim, a criminalização das condutas homo e transfóbicas,
proveniente da ADO 26, denota a mutação dos espectros jurídico e
social brasileiros. As previsões constitucionais derivadas da CF de
1988, em consonância com posteriores convenções infra e
internacionais acerca das questões de gênero, viabiliza a
edificação de um novo Habitus no cerne do Poder Judiciário e, em
consequência, as batalhas travadas nos tribunais de rua –
entre movimentos minoritários e costumes preponderantes
– no desamparo dos
confrontos corpóreos, torna-se viável sob as vestes de um aspecto
jurídico-formal, em que se luta pela apropriação da simbologia do
código normativo. Paulatinamente, a congregação estratégica,
identitária e jurídica do público LGBTQI+, em um constante
enfrentamento às imposições
hegemônicas, conquista, parcela por parcela, o usufruto de seus
direitos e sua equiparação social, formal e de gênero.
(Caio Laprano - Primeiro Ano - Noturno)
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