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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Madame Satã e o Rompimento do "Dever-ser" social


   O Cine-debate acerca de Madame Satã, estruturado ao longo da VI Semana de Sexualidade e Gênero, apresentou-se elementar na composição do que se concebe como “ecologia de direitos”. A obra, responsável por protagonizar o ícone cultural de João Francisco dos Santos, revela a marginalização histórica de um nicho identitário que é, há décadas, negligenciado pelas instâncias jurídicas nacionais e seus órgãos administrativos, mantendo-se às sombras dos enfoques midiáticos e políticos, predominantemente organizados sob a égide de um costume ocidental hegemônico.
   A insurgência própria à subcultura – no sentido minoritário e carente de representatividade formal – manifesta no longa, exposta explícita e simbolicamente, capitaneia a dinâmica social de um quadrante – até então – duplamente desamparado: jurídica e popularmente. A primazia do Direito ocidental, movido às engrenagens eurocêntricas, constituiu o processo de isolamento às vertentes socioculturais díspares ao que se compreendia e, ainda parcialmente, compreende-se como “dever-ser” das condutas individuais. Com base nisso, atrelando-se o panorama evidenciado por Madame Satã ao arcabouço teórico de McCann, o poder formativo da atividade judicial, adepto de postura continuamente niilista às expressões do público LGBTQI+, corrobora para a elaboração do caráter intolerante presente na sociedade civil brasileira. A discricionariedade imanente à magistratura, ao optar ou não por estabelecer um vínculo institucional garantista aos múltiplos movimentos de demanda social, posiciona-se – simultaneamente – perante a consolidação de tais correntes, na esfera política.
   Nesse ínterim, a relevância remetente ao transformista e à obra cinematográfica adquire proporções imensuráveis. O posicionamento de afronte e contestação aos moldes comportamentais vigentes, enunciado na figura emblemática de Madame Satã, promove um amplo e gradual processo dialético na configuração macro da nação brasileira, propiciando a revitalização de um movimento reivindicatório perpetuamente fragilizado pelos aparelhos de repressão estatal e cultural. O filme, por sua vez, originário da esfera artística, insere-se – inevitavelmente – no seio das pautas identitárias, políticas e sociais, reintroduzindo a simbologia emanada de João Francisco dos Santos na contemporaneidade.
   Por fim, a criminalização das condutas homo e transfóbicas, proveniente da ADO 26, denota a mutação dos espectros jurídico e social brasileiros. As previsões constitucionais derivadas da CF de 1988, em consonância com posteriores convenções infra e internacionais acerca das questões de gênero, viabiliza a edificação de um novo Habitus no cerne do Poder Judiciário e, em consequência, as batalhas travadas nos tribunais de rua – entre movimentos minoritários e costumes preponderantes – no desamparo dos confrontos corpóreos, torna-se viável sob as vestes de um aspecto jurídico-formal, em que se luta pela apropriação da simbologia do código normativo. Paulatinamente, a congregação estratégica, identitária e jurídica do público LGBTQI+, em um constante enfrentamento às imposições hegemônicas, conquista, parcela por parcela, o usufruto de seus direitos e sua equiparação social, formal e de gênero.
(Caio Laprano - Primeiro Ano - Noturno)

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