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segunda-feira, 7 de outubro de 2019

A madame satã hoje

O cine debate sobre o filme Madame Satã, contou com a participação do coletivo de Araraquara, Casixtranha, que combina seus elementos com a cultura Ballroom, surgida nos ares latino e negros da comunidade LGBTI. Em relação à obra cinematográfica, é um drama que conta a biografia do transformista João Francisco dos Santos, cujo os embaraços, muitas vezes com a polícia, retratam a conjuntura do negro, gay e pobre brasileiro durante a década de 1930. Ganhado o nome de Madame Satã, em uma de suas prisões, tornou se um emblema da marginalizada vida noturna da Lapa, que quando privado do seu sonho artístico, vivenciou os versos “Em cima do muro/ Em baixo de murro/ No morro/ Na marra/ Quem morre sou eu/ Ou sou eu quem mata?”. 
As amarguras da comunidade LGBTI, porém, não se delimitaram apenas no Rio de Janeiro e, muito menos, apenas na década de 30. Nos anos do Regime Militar brasileiro, fundada em concepções como a do delegado da época Guido Fonseca, a polícia de São Paulo iniciou uma verdadeira “caça” as travestis da cidade que, naquele contexto, eram entendidas como seres “pervertidos”, que deveriam ser fichados para que houvesse uma “avaliação da periculosidade”. Na década de 1980, a Operação Tarântula, foi oficialmente intitulada em seu objetivo de prender a população travesti da cidade e, mesmo após ser suspensa, foi semente para uma série de assassinatos. Nas declarações do documentário Temporada de caça, de Rita Moreira, é notável, preocupante e até macabro, o ódio da população em relação as minorias sexuais. 
Hoje, ainda que conste pequenos avanços sociais para a parcela LGBTI brasileira, como a recente decisão do Supremo Tribunal Federal de criminalizar a homofobia, as histórias individuais não podem ser desmerecidas, porque dentro desta comunidade, as classificações tanto entre L, G, B T e I, quanto até racial, importam. Um dos traumas do meio acadêmico é compreender que, apesar dos seus mínimos esforços, ele é ainda é, ao contrário do que muitos representantes disseram nas eleições passadas, um espaço branco, cis e que preza pela normatividade. Ainda somos um país que preza pelo europeu, pelo estrangeiro de magnamidade intocável, mesmo quando este, em seus raros momentos, consagra nossos originários. Enquanto Bixa travestydocumentário sobre a história da artista brasileira Linn da Quebrada, conquista prêmios internacionais, como o Prêmio de Melhor documentário com temática LGBTI no 68º Festival Internacional de Cinema de Berlim, no cenário brasileiro, seria um afronte aos princípios sociais, não apenas na visão de uma classe média delirante, mas também na recusa da manifestação de significante parcela da comunidade LGBTI que ainda não superou o francês Azul é a cor mais quente.  
Por meio deste texto, poderia decidir abordar os males ditos pela extrema-direita, pelos conservadores, religiosos ou até mesmo, as consequências do discurso de líderes mundiais, como o do presidente da República, porém há uma face conhecida, porém pouco abordada, a bolha LGBTI branca de classe média, cujo o mundo se resume à Rua Augusta. Esta face, sentiu se no direito de, em plena discussão sobre visibilidade de gênero, zombetear, em uma incrível falta de respeito, da exteriorização das ministrantes do cine debate.  
A comunidade LGBTI aprecia o vogue de Madonna mas, quase que com o mesmo complexo de vira-lata de Nelson Rodrigues, insincera em relação a artistas não brancos e de origens periféricas que também trabalham a temática, estimam o Ballroom "requintado". Quando esta comunidade chega as universidades, é válido lembrar que, majoritariamente, é sua bolha que chega, a qual não precisa se preocupar com uma expectativa de vida de 35 anos, a qual não lida com o estresse financeiro e, em muito pouco, com o racismo. Até que ponto podemos considerar o progresso acerca dos LGBTIs sendo que este não chega para todas as iniciais? O reconhecimento por direitos para a comunidade LGBTI, como o casamento, já concedido pelo STF, é de extrema significância, porém uns lutavam para se casarem, outros lutam para, simplesmente, chegarem aos 40 anos. As madames satãs de 1932 pouco veriam mudanças hodiernamente. As madames satãs não frequentariam os grandes eventos LGBTs, assim como João Francisco era impossibilitado de frequentar o Cabaret Brasil- o sentimento de indignação ainda é o mesmo.  



Amanda Cristina da Silva - 1º Noturno 

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