“O domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo” (HEGEL).
A partir destas palavras de Hegel, pode-se perceber que, para ele, a ampliação do Direito e a ampliação da liberdade estão estritamente relacionadas, sendo esta resultante daquela, admitindo-se também o contrário. De fato, a amplificação do Direito garante o aumento da liberdade na sociedade moderna, não daquele conceito de liberdade segundo o qual o indivíduo é senhor de si e pode agir puramente pautado no seu livre-arbítrio, em detrimento dos demais membros da sociedade, mas da concepção de liberdade de Kant, citada por Hegel, consistente na limitação da própria liberdade para que, segundo uma lei geral, o livre-arbítrio dos outros seja possível. É inegável que, embora se prime pela liberdade total e ilimitada, o papel do Direito, não apenas na modernidade, mas em toda a sua trajetória, consiste em garantir a inter-relação satisfatória entre as pessoas, normatizando os diversos aspectos de seu cotidiano que se enquadram no cenário jurídico. Dessa forma, o contexto social, engendrado pelo Direito, não permite uma liberdade incondicionada e desprovida de um limite necessário à convivência em sociedade.
Mesmo assim, saliente-se que o Direito não está dissociado da “liberdade em geral como ideia”, tendo em vista que contribui para a sua garantia, embora não incondicionalmente. Sobretudo no Estado moderno, a universalidade do Direito representa a superação das particularidades humanas, na qual a lei é aplicada em detrimento da vontade particular de cada indivíduo. Por esta razão, compreende-se a concepção de Direito como liberdade, certamente, não da plena e estrita liberdade individual, mas da autonomia de cada indivíduo, sendo possível agir conforme seu livre-arbítrio e, concomitantemente, respeitar os limites, a fim de não privar os demais de sua liberdade. Tal concepção é justificada por Hegel da seguinte forma: “É a liberdade universal porque nela toda limitação e singularidade individual ficam suprimidas”.
Reflexo da mencionada liberdade universal é a institucionalização de algumas questões na realidade atual. A garantia de direitos aos idosos, aos negros, às mulheres, aos homossexuais, entre outros, ao contrário de representarem particularidades, devem ser considerados como a ampliação da liberdade de indivíduos que, embora sejam iguais aos outros, precisam de meios para que seja possível a sua real autonomia, ou seja, o exercício da liberdade como os demais. Neste contexto, faz-se tão necessária a atuação do Direito, sendo “o império da liberdade” e "pressuposto da felicidade".
Para encerrar esta discussão sobre o Direito como liberdade, assunto muito familiar a Hegel, cumpre fazer um aparte sobre a crítica de Karl Marx às abstrações daquele pensador. De fato, a filosofia, quando articulada com a prática, é capaz de contribuir muito mais com a realidade, uma vez que não fica apenas na retórica e na especulação, migrando para o mundo real. Porém, as considerações de Hegel, principalmente, no que tange ao Direito como liberdade, são válidas e muito pertinentes, até mesmo, na sistemática atual. Como é possível perceber neste texto, no qual se fez referência ao autor em questão por diversas vezes, a lógica racional abordada não está, necessariamente, apenas na mente do filósofo, pode, sim, ser vida, compor a história e fazer parte da realidade, ao contrário do que acreditava Marx.
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