Corrigindo os borrões de épocas precedentes, a modernidade surge como a apoteose do Direito concebido, única e exclusivamente, como sinônimo de liberdade. Não mais veste este manto e apoia-se com o cetro, não tem hábitos refinados nem nasceu em família de grande prestígio e tradição, é, pois, um Direito de todos, marcado, assim, pela universalização, rompendo com as barreiras do individual e adotando como pátria o coletivo. Assegura as necessidades e anseios do do humilde trabalhador que, antes do sol, sai de casa e também do industrial que deseja ansiosamente colher os lucros produzidos e observar de perto o crescimento de seu negócio. Tal Direito confere ao homem ainda uma segunda natureza, deixando seus vícios, características e comportamentos pessoais e pesando somente seu agir social, ou seja, promovendo liberdade à esfera individual, tão necessária. Afinal, que importa à sociedade o egoísmo ou bondade que regem as condutas humanas, se os contratos estabelecidos são devidamente cumpridos e se os direitos de outrem não são violados? O Direito revela-se, assim, como princípio da própria felicidade, fazendo-se capaz de frear impulsos e paixões individuais em nome da manutenção do coletivo. Pode-se não concordar com determinada conduta intimamente, mas esta se faz, ao menos, respeitada, já que o ordenamento jurídico desta forma prescreve. A convivência social é garantida.
Um Direito totalmente desparticularizado, que confere a liberdade tão desejada a cada um e consegue restringir, em certos aspectos, o individual para o benefício do coletivo. Pensamento dotado de extrema perfeição, composto por ideias que se relacionam de modo invejável e que conseguem arquitetar toda a dinâmica social precisa e eficazmente. Porém, há um único descompasso que altera a melodia inteira: tal teoria não é capaz de vencer os altos muros da simples especulação, valendo-se de intermináveis abstrações que somente confortam e acomodam os indivíduos, como a religião, sem produzir frutos concretos. Hegel, o mais ilustre habitante do mundo das ideias, é severamente criticado por Marx, justamente por emoldurar um Direito puramente metafísico.
A filosofia como mera divagação no âmbito do conhecimento não tem nenhuma valia no pensar de Marx. Serve esta apenas ao "homem total", vizinho de Hegel no mundo da imaterialidade. E como fica o trabalhador que a cada dia deixa um pouco de si em suas longas e árduas jornadas, a mendigar por atendimento médico em filas tão grandes quanto o descaso com que é tratado pela sociedade? Tem este realmente liberdade e direitos assegurados, como acreditava e defendia Hegel em seus estéreis pensamentos? A filosofia não alimenta o corpo exausto nem é capaz de aliviar a dor de mãos calejadas pela própria vida, devendo, portanto, ser estreitamente ligada à prática. E a tal felicidade, democracia, igualdade? Continuam perdidas nos becos da imaginação hegeliana, impossibilitadas de encontrar o caminho que leva à realidade.
O homem deve, afinal, ser entendido por ele mesmo, fugindo dos padrões e moldes conferidos pela ilusão. Enquanto muitos ainda assim pensarem e conceberem o Direito, pouco se realmente verá, já que não se precisa somente de bálsamo para a alma, mas mostram-se carentes os homens, clamando pelo atendimento de suas necessidades reais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário