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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

A consciência coletiva e o sistema punitivo brasileiro


            Em seu capítulo 2 do primeiro volume da obra “A divisão do trabalho social”, por título de “Solidariedade mecânica ou por similitudes”, Émile Durkheim aborda as influências da consciência coletiva sobre a sociedade e a organização geral do Estado. Para o autor, essa autoridade que permeia todas as consciências dos indivíduos é baseada nas tradições e culturas que moldam os modos de agir e pensar. No texto, Durkheim coloca o crime como sendo a maior violação dos dogmas criados pelas instituições formadoras da consciência coletiva, situações que possuem um aspecto histórico de reprovação pelo sentimento coletivo e, a partir disso, ganharam uma reação de condenação e cumprimento de pena prevista em um ordenamento jurídico, além do agravamento pela vergonha, movida pela passionalidade da consciência comum.
            Isso nos remete a realidade brasileira do Código Penal e suas implicações para os indivíduos da nossa sociedade. O nosso sistema pode ser caracterizado como punitivo e construído sobre um pilar da consciência coletiva, chegando a ser comparado a sociedades menos complexas, que têm a pena como defesa social baseada em uma reação passional.
            O Professor Sérgio Salomão Shecaira, advogado, Professor Titular do Departamento de Direito Penal da Universidade de São Paulo, Presidente do Conselho de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça, em seu artigo “A Lei e o outro” escreveu que o “sistema punitivo é burocrata e insensível”. Ao defender que as penas e o sistema carcerário brasileiro não pretendem restituir o individuo a sociedade, como é defendido pelo direito moderno, o Professor Shecaira conclui que ninguém está interessado no destino do acusado, destacando o distanciamento que cada instituição que forma o sistema punitivo e seus profissionais do direito mantém em relação aos autores dos crimes. Esse fato possui relação com a seguinte afirmação de Durkheim, que coloca a consciência coletiva: “O crime aproxima as consciências honestas e as aglutina”.
            Por fim, podemos concluir que o caráter restitutivo do direito, que deveria ser criado, segundo Durkheim, a partir da solidariedade orgânica da sociedade, perde sua eficácia diante dos aspectos passionais que vigoram na consciência coletiva e no processo jurídico atual. O Professor Shecaira coloca mais esse aspecto em seu texto:
O crime, como expressão de um conflito, na maior parte das vezes, não é mais compreendido pelos juristas. Seu encastelamento em torno das normas impede o questionamento da lei e a busca do fundamento doutrinário da pena. Os conceitos com puro esteio na norma neutralizaram a discussão sobre as determinações sociais do delito, sobre qualificação política da transgressão ou sobre as razões existenciais, estruturais e conjunturais que condicionam a pena. A dogmática estrita cobre com um manto supostamente neutro as decisões cotidianas da justiça que são (ou deveriam ser), antes de tudo, humanas. O referencial de sensibilidade foi substituído pelo paradigma da lei. Muitos perderam a liberdade de escolha como se o tamanho do problema carcerário não fosse fruto das nossas decisões. Acredito que ainda está por ser elaborado o manifesto da sensibilidade jurídica que possa fazer com que os operadores do direito pensem sobre o papel que desempenham socialmente e sobre os papéis que estão sobre a mesa diante de si.
REFERÊNCIAS:

Shecaira, Sérgio Salomão. “A Lei e o Outro”. Disponível em: < http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/20/Documentos/Artigos/00000030-001_SergioShecaira.pdf>. Data de acesso: 23 de agosto de 2012.

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