Desordem — quem a deseja? Pode-se dizer que, no contexto geral, o homem não procura por ela. A ideia de viver em um cenário transtornado e confuso é aterrorizante — e é isso que torna a frase entre as estrelas que brilham na bandeira brasileira tão graciosa à vista: “Ordem e progresso”. Nela está presente a promessa de que a república recém-nascida iria dispor não só da tão confortável ordem, mas também do tão desejado progresso. Entretanto, para compreender o seu real significado, é necessário entender o que forjou a ideia de que ordem era o que o Brasil precisava para progredir.
Na época, o pensamento do homem estava sob a influência da corrente positivista de Augusto Comte. Na visão dele, a ordem é imprescindível no caminho para o progresso e, para obtê-la, é necessário que a sociedade esteja em harmonia — que, por definição, pode ser caracterizada como “ausência de conflitos; paz; concórdia”. Sob um olhar mais crítico, é possível indagar: ordem para quem? É inegável que na sociedade brasileira existem muitos conflitos sociais — greves, protestos, entre outros. Partindo do princípio de que é necessário a ausência deles para que haja ordem, não se pode ignorar que sem eles somente um ‘lado da moeda’ terá paz: aqueles que exploram. O ‘outro lado’, se abrir mão de lutar por seus direitos para evitar a desordem social, será condenado a viver no caos - um caos invisível aos olhos daqueles que afirmam que isso é necessário para o equilíbrio.
A própria liberdade que Comte teve para expor suas ideias não surgiu do conformismo ou veio naturalmente: foi conquistada através da luta daqueles que se cansaram de deixar o pensamento crítico nas mãos da nobreza. Coisas que hoje são consideradas mínimas, como o sufrágio universal, foram conquistadas através da luta, que apesar de dolorosa é necessária — a voz do povo só é ouvida por aqueles no poder quando nela há violência o suficiente para fazê-los estremecer. Um exemplo disso é a Idade Média: séculos em que a mentalidade feudal impediu que os servos tivessem a capacidade de contestar e que havia uma forte ordem social entre os muros do feudo foram marcados pela inércia e são atualmente conhecidos como "Idade das Trevas", tamanha foi a obscuridade e imobilidade do pensamento humano nesse período. Em contrapartida, pode-se usar como exemplo a "Revolução de 30", que permitiu que o Brasil saísse da República Oligárquica e que a industrialização, muito valorizada pelo positivismo, fosse possível. Portanto, na prática, a ordem só leva o progresso a uma pequena parte da população: a desordem, o caos, os conflitos e as lutas, apesar de tortuosas, é o que realmente moveu a sociedade ao longo da história.
Ainda sob a visão positivista, partindo do princípio de que o oprimido abrirá mão de lutar contra a opressão para promover a paz social e por isso seria possível que a sociedade alcance o progresso, também é possível indagar: progresso onde? Se, por exemplo, o país ficar mais rico, porém a miséria da população aumenta porque essa riqueza é concentrada, isso pode ser considerado progresso? O tal progresso alcançado através da ordem e da resignação é ambíguo, não é um progresso que atinge a maior parte da população e é baseado em uma visão eurocêntrica do mundo. Sendo assim, o vejo como um retrocesso — apesar de Comte o considerar o oposto.
Dessa forma, me
questiono de quem é esse Brasil de "ordem e progresso". Certamente
não é daqueles que o compõem de norte a sul, que são a base cultural e
econômica desse país — a ordem positivista é alcançada às custas de sua
alienação e o progresso que vem dela não atinge o mesmo Brasil em que eles
vivem. O pensamento de Augusto Comte foi importante para sua época ao dar às
ciências sociais a mesma importância das ciências exatas — mas sua
aplicabilidade ao longo da história e, principalmente, no Brasil, tornou se um
instrumento para fazer conflitos parecerem um problema para o progresso quando
na verdade são eles que o causam. Assim, após compreender o lema presente no
símbolo nacional desse país e o pensamento por trás dele, muita coisa sobre
essa nação se torna evidente: existem muitos Brasis dentro do Brasil, e a ordem
e progresso estampado em sua bandeira só pertence a alguns deles — e assim será
enquanto não houver desordem.
Camilly Vitória da Silva, 1º semestre de Direito - Noturno (Turma XXXVIII)
Lindo!
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