****O presente texto irá correlacionar a leitura de alguns escritos de autoria de Auguste Comte com as vídeo-aulas sobre a matéria.
Auguste Comte foi um filósofo francês nascido em Montpellier já no apagar das luzes do século XVIII. É muito lembrado por ser o idealizador da corrente filosófica conhecida como Positivismo e ser considerado o pai da Física Social, posteriormente intitulada Sociologia.
Antes de fazer um apanhado geral sobre a parte da sua obra estudada em sala de aula, é muito importante contextualizá-la no tempo e no espaço, sob pena de incorrer em anacronismo.
Os séculos XVIII e XIX foram, sem dúvida, momentos definidores do que viria a ser o mundo na contemporaneidade. Aspectos políticos, econômicos, sociais, religiosos e principalmente culturais, anteriormente enraizados em boa parte do inconsciente coletivo europeu, estavam sendo abalados e questionados por novas ideias e novos posicionamentos frente aos problemas e inquietações mundanas. As ideias iluministas, contestatórias, profundas, reflexivas, varriam não apenas o continente europeu. Os filósofos iluministas influenciavam, também, uma gama enorme de novos territórios, muitos dos quais tidos como meras colônias a serem subjugados por outros povos. As Revoluções Inglesas dinamizaram questões políticas ao submeterem o poder monárquico absoluto a um parlamento, a uma constituição. O pensamento religioso, já fragmentado desde a reforma protestante e a contrarreforma, vê cada vez mais as suas bases serem afetadas pela Revolução Científica, laica, objetiva e com fim prático. Os EUA declaram-se independentes e após a guerra de libertação, proclamam uma República Constitucional. A Revolução Industrial abala os alicerces daquele mundo pós-feudal, ainda muito ligado ao campesinato, a agricultura de subsistência e a vida rural. Algumas cidades se configuram como aglomerados imundos onde os trabalhadores, sem qualquer tipo de direitos, se submetem a jornadas extenuantes de trabalho. Homens, mulheres, crianças…..tudo era bem vindo e bem aceito no chão de fábrica!! A França, expressão máxima do absolutismo monárquico, ainda uma sociedade estamental, privilegiava cada vez mais o clero e a nobreza em detrimento de todo o resto. O estopim se dá em 1789, quando a Revolução Francesa dinamita a estrutura do antigo regime e transforma radicalmente tudo que era sólido até então. Portanto, o contexto no qual Comte estava inserido era de enorme ebulição e desordem. Ideias radicais digladiavam com ideias conservadoras, ataques e contra-ataques eram uma constante, forças revolucionárias se chocavam com forças restauradoras. A incerteza era a tônica.
Influenciado por esse cenário, Comte busca explicar o porquê desse caos, o porquê dessas forças contrárias e propõem um método científico empírico capaz de utilizar o ferramental empregado pelas ciências naturais no estudo das leis naturais. Ele pretendia estudar e compreender os fenômenos sociais da mesma maneira que se estudava os fenômenos naturais. O objetivo era bem claro: assim como a descoberta do funcionamento das leis naturais possibilitou uma intervenção e um certo domínio sobre a natureza, a compreensão dos fenômenos sociais permitiria um direto controle na organização e estrutura da sociedade.
Os três pilares básicos da filosofia comteana são a filosofia da história ( dividida em três estados: teológico, metafísico e positivo ), a fundamentação e classificação das ciências e a criação de uma física social ( chamada em um outro momento de sociologia ).
Comte escreve que essa anarquia geral que se instalara era derivada do embate entre os três tipos de pensamento ( estados ). O Estado Teológico seria o mais primitivo deles. Valia-se de argumentação sobrenatural para explicar os fenômenos. É esse estado de pensamento inicial que possibilitou uma certa coesão social. O Estado Metafísico seria uma fase de transição. Tenta explicar os fenômenos valendo-se de uma argumentação mais racional, mais estruturada. Elimina o sobrenatural e substitui Deus por ideias ou forças. É nesse estágio que observa-se o início da emancipação do ser humano perante a natureza. Comte critica duramente esses dois estágios de pensamento por buscar explicar a origem e o fim dos fenômenos. Ele acreditava que a humanidade não possuía a total capacidade intelectual para compreender determinados fenômenos, daí a necessidade de não perder tempo estudando e explicando a origem, o porquê e o fim de certos fenômenos. A marcha progressiva do espírito humano se completaria com o Estado Positivo. Esse estágio seria o mais completo e perfeito e englobaria todas as leis naturais e também os fenômenos sociais. Aqui, a imaginação e a argumentação dariam lugar à observação pura. O Estado Positivo busca o fato social, a ordem, não o início ou o fim. Ele busca leis imutáveis e a previsibilidade. O lema seria algo como “observar para prever”. Esse estágio positivo marcaria a passagem do poder espiritual para as mãos dos sábios e cientistas e do poder material para o controle dos industriais. A filosofia positiva busca resumir todos os princípios e fenômenos num número pequeno de ordenamentos e leis gerais. Esse desenvolvimento do projeto positivista só teria êxito com uma reorganização intelectual do indivíduo, que posteriormente reformaria os costumes da sociedade e, por fim, acarretaria na reformulação total das instituições.
Num outro momento, já no desenvolvimento da Física Social, Comte afirma que essa ciência deve ter uma visão orgânica do todo, deve ser funcionalista. As partes só teriam utilidade no todo, no conjunto. O individual seria submetido ao coletivo. O ordenamento interconectado e interdependente é o foco e o que trará o desenvolvimento e o progresso para a sociedade. Isso valeria inclusive para o desenvolvimento de outras sociedades que, na visão positivista, estariam em estágios inferiores de desenvolvimento. O ápice do progresso seria a sociedade europeia e industrial. A marcha para o desenvolvimento, portanto, seria nessa direção. Daí a ideia da ordem levar necessariamente ao progresso.
As ideias de Comte influenciaram muitos pensadores, cientistas, políticos, personalidades e estudiosos de diferentes países. Hoje, contudo, após uma infinidade de revoluções no pensamento mundial, após duas grandes guerras, muitos pontos de sua filosofia encontram-se datados, ultrapassados e até mesmo negados.
Para o positivismo, as ideias contrárias, o pensamento divergente, subverteriam à ordem estabelecida. Há um claro preconceito com a pluralidade de ideias e opiniões. Em nome de uma aparente harmonia social, o positivismo prega o pensamento único. Essa rigidez, quando extrapolada para o interior da sociedade, impregnando todos os estratos, poderia ser utilizada como legitimação cruel na questão da divisão de classes, como se determinadas camadas sociais estivessem exatamente onde deveriam estar, em posições pré-estabelecidas, impossibilitando, por exemplo, uma mobilidade, uma ascensão social. O caráter autoritário desse pensamento mostra-se, também, na não liberdade individual frente às leis do positivismo. O indivíduo não existe nesse modelo. O indivíduo só existe enquanto coletividade, enquanto massa, enquanto todo. Ele seria uma peça quase insignificante compondo um todo maior, mais abrangente, normativo, ordenado e impessoal.
Além disso, o Positivismo abre mão de buscar a essência dos fatos e dos fenômenos para dedicar-se aos fatos do presente, do agora. Ele ordena e sistematiza, o histórico seria um mero detalhe sem importância e indigno de análise.
O caráter etnocêntrico e eurocêntrico é uma constante na argumentação positivista que hierarquiza as sociedades em mais ou menos desenvolvidas. Não bastasse esse detalhe, a sociedade europeia é colocada como o supra sumo do desenvolvimento, o cume do progresso, e o ideal a ser alcançado por todos os outros povos. Ignora-se completamente o fato das sociedades serem diferentes por uma série de razões. Não leva-se em conta as infinitas questões culturais inerentes aos mais variados povos, a maneira como suprem as suas necessidades, a forma como desenvolvem os seus meios de produção, seus anseios, etc.
Para finalizar, é interessante notar a forma como se daria o progresso humano no pensamento positivista. Ao atrelar uma ordem social à ideia de progresso, conquistado através das leis positivas, na verdade o resultado seria uma manutenção do status, uma conservação institucional. A reorganização seria uma reengenharia para deixar tudo como está, sob a aparência envernizada de um suposto progresso.
ANDRÉ MICHIELLI ( 1° ano - Direito - Noturno )
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