O
sociólogo Axel Honneth propõe uma nova perspectiva para a compreensão das lutas
sociais: a gramática dos sentimentos morais, isso é, não interpretá-las pela
consciência coletiva, mas pelos sentimentos individuais. Nesse viés, nota-se,
como um caso exemplificativo desse, a ação direta de inconstitucionalidade
(ADI) 4277, que expõe julgar procedentes as ações sobre união estável
homoafetiva com as mesmas regras e consequências da união estável
heteroafetiva. Sendo assim, objetiva-se a compreensão da opção de cada um e,
logo, a aceitação de todos de forma igualitária.
Nesse
mesmo sentido, tem se o voto do Relator Ministro Ayres Britto, o qual diz que “quanto
ao modo juridicamente reducionista com que são tratados os segmentos sociais
dos homoafetivos, têm sido ininterruptamente violados os preceitos fundamentais
da igualdade, segurança jurídica, liberdade e da dignidade da pessoa humana”.
Dessa forma, a decisão de reger a união homoafetiva conforme a heteroafetiva é
um meio para que não haja ofensa às três esferas de reconhecimento, como
conceituado por Honneth, dos homoafetivos, uma vez que tratados de formas
diferentes acarreta a infração tanto a
esfera do amor, quanto da solidariedade e do direito. Esse último
principalmente, visto que mesmo o direito a igualdade e liberdade sendo
positivado, como a cláusula pétrea sobre a dignidade da pessoa humana, esses
não eramefetivados, até então, como explicitado pelo Ministro Britto.
Para
o sociólogo, quando essas esferas são feridas, o autorreconhecimento da pessoa
como sujeito de direitos e sujeito no mundo é prejudicado. Por conseguinte, a
falta desse reconhecimento resulta na vexação, que pode ser exemplificada nesse
caso em um possível falecimento de um dos indivíduos da união e gerando, ainda,
ter que se provar tal relacionamento e diversas tentativas na justiça de
alcançar algum direito, como quanto à pensão ou sucessão. Nesse viés, tem se o voto do Ministro Marco Aurélio
que o conclui dizendo “ser
imperiosa a proteção jurídica integral da união homoafetiva, traduzida no
reconhecimento como entidade familiar, pois, em caso contrário, estar-se-ia a
transmitir o juízo de que o afeto entre homossexuais seria reprovável e
desmerecedor do respeito da sociedade e da tutela estatal, o que afrontaria a
dignidade desses indivíduos, que perseguem tão-somente a realização, o amor, a
felicidade”.
Além
disso, a não efetivação desses direitos acarreta um desrespeito, o qual
corresponde às experiências morais do ser e o ocasionamento de expectativas de
reconhecimento vinculados às condições de sua integridade psíquica. A luta pela
igualdade entre uniões homoafetivas e heteroafetivas representa um modelo de
conflito que se inicia exatamente por experiências morais que demonstram a
denegação do reconhecimento, seja o jurídico ou social. Logo, essa luta visa
conseguir esse reconhecimento, assegurar seus direitos e diminuir o preconceito.
Tal mudança, dessa maneira, representa a saída de um modelo familiar patriarcal
e com objetivo de conservar o patrimônio e procriar, para um plural de modelos
de família tratados igualmente, nos quais o afeto torna-se um valor jurídico e
rege tais relações familiares.
À
vista disso, além de zelar pela igualdade e dignidade dos homoafetivos, ainda
lhe proporciona o seu autorreconhecimento e, assim, a diminuição da
discriminação sofrida e a efetivação de seus direitos. Desse modo, a felicidade
e o amor são respaldados por tais direitos, uma vez que toda forma de amor é
válida e, logo, o Direito deve aceitá-las e tutelá-las, visando que esse
coletivo seja reconhecido como iguais. Sendo assim, a luta por reconhecimento, direitos
e contra o desrespeito ganham visibilidade e a ponte semântica entre casos
individuais e coletivos é construída e, com a decisão sobre a igualdade entre
as uniões, torna-se vitoriosa e efetivada.
Kenia - Direito (Noturno)