Ao analisarmos o texto do capítulo 6 do livro "As Bifurcações da Ordem" do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, logo de início faz-se perceber a preocupação do
autor com o tema justiça social. Para a solução de problemas históricos
relacionados ao tema o autor cita as injustiças praticadas a anos contra
diversos grupos minoritários e diz ser mister uma interpretação inovadora do
direito que vá contra a rotina e que seja socialmente responsável, o que
pode e deve levar algum tempo para ser concretizado, tendo em consideração
que isto – a questão da demora – não é um problema tão grave assim, pois,
como diz o autor, não importa a quantidade de justiça feita e sim a qualidade
da justiça, para que esta se transforme em uma justiça mais cidadã e menos voltada
para a defesa dos que economicamente dominam.
Passeando pelo movimento histórico de evolução das ocupações de
terras em território brasileiro, Boaventura explica que, após o processo de
independência em relação a Portugal, o Brasil passou por um período determinado por juristas agrícolas de “Regime de Posses”, onde, devido à ausência de leis regulatórias, os espaços
agrícolas foram sendo ocupados por grileiros e pelos proprietários rurais de antanho,
dando origem a essa imensa discrepância que há na proporção entre terras/proprietários que existe nos dias atuais em nosso país. Segundo dados de
uma pesquisa realizada em 2015 pelo CNPq/USP, denominada Atlas da Terra Brasil,
de todo o espaço geográfico do território nacional, o que equivale a 851,6
milhões de hectares, 318 milhões de terras concentram-se nas mãos de grandes
latifundiários. Desse total, 175 milhões são considerados terras improdutivas,
todavia, mesmo assim, ainda rendem capitais para os seus proprietários que as deixam
como lastro hipotecário em grandes operações financeiras nos empréstimos junto
aos Bancos do Brasil.
Nesse ínterim, no final dos anos de 1970, surge o MST – o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – no sul do Brasil com o lema “terra para quem nela trabalha”, logo
após um período onde os integrantes da liga camponesa brasileira, que também
lutavam por reforma agrária no país, foram duramente oprimidos e dizimados pela
ditadura militar, o que só faz reforçar a ideia de Direito Configurativo
encontrada em Boaventura de Sousa Santos, a qual afirma que o Direito reflete
uma determinada configuração nas relações de poder. Se estas relações forem
desiguais e destinadas a produzirem injustiça e opressão, o Direito também será
injusto e opressor.
Capítulos posteriores dessa triste novela social brasileira
que se arrasta ao longo dos anos, veio trazer para o seio do poder judiciário a
questão da Fazenda Primavera situada no Rio Grande do Sul. Integrantes do MST –
apoiados no princípio fundamental da constituição federal brasileira em seu
artigo 5º, inciso XXIII (o qual diz que a propriedade deve atender a sua função social) – tomaram
posse da mencionada fazenda. Munidos dessa prerrogativa constitucional e de
todo um aparato jurídico, o MST conseguiu conter um agravo de instrumento
impetrado pelos advogados do Sr. Loivo Dal Agnoll, o agravado, diante de recusa em primeira
instância do pedido de reintegração de posse feito pelos mesmos. Esse amparo jurídico é de fundamental
importância para se obter êxito em lutas como essas, de cunho contra-hegemônico,
como bem explica Boaventura de Sousa Santos: “Em primeiro lugar, os grupos excluídos precisam se
organizar social e politicamente em movimentos sociais ou organizações não
governamentais e em segundo lugar são necessárias estratégias jurídicas e
sociais inovadoras nas relações com os tribunais, acompanhadas de pressão
política sobre os órgãos do Estado e sobre os próprios tribunais”.
Evandro Oliveira Silva - Noturno
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