Para entender a
questão do julgado da Fazenda Primavera é importante primeiro fazer um paralelo
com os estudos de Boaventura de Sousa Santos e da sua teoria dos
três tipos do direito (direito configurativo, prefigurativo e reconfigurativo).
De início, o direito configurativo é o direito como espelho das relações de
poder presentes na sociedade e, para Santos, como no início um pequeno grupo se
aproprio do direito, concentrando o poder em suas mãos (o grupo chamado de 1%),
o direito desde então se tornou elitista e todas as relações jurídicas se
pautavam na legitimação dos atos dessa parcela da população e na sua proteção.
Em seguida, o direito prefigurativo é o direito como antecipação de uma sociedade
diferente. Por fim, o direito refigurativo é o direito como agente das mudanças
na sociedade, ou seja, os grupos indignados procuram como modo de ascensão social
os tribunais, além do reforço de pressões políticas realizadas por esses grupos
para também atingir essa esfera. Relacionando tais ensinamentos com o julgado
em questão, é importante frisar no direito configurativo e reconfigurativo em
uma junção para explicar o fenômeno.
Na
questão do julgado da Fazenda Primavera é claro que os proprietários da fazenda
são os chamados de 1% e o MST pode ser considerado os indignados (ou os 99%).
Dessa forma, o MST, frente a uma realidade de desigualdade e injustiça, age com
a ocupação de uma área da fazenda que não estava sendo utilizada (pressão
política) como modo de protesto, sendo que o proprietário entrou na justiça e,
inicialmente, foi concedida a reintegração de posse, o que mostra a tendência
dos 1% sempre tentarem legitimar suas ações para manter a desigualdade (como
abordado no direito configurativo). Porém, como Boaventura bem ensina, os
tribunais são cheios de contradições e os oprimidos devem usar tais contradições
para entrar na justiça de modo inovador, e assim foi feito: a contradição
presente na primeira instância julgada é clara (o proprietário só terá direito
à terra se ela cumprir sua função social, algo que está previsto desda
Constituição de 1934, mantido na de 1969 e continua em vigor na atual
Constituição de 1988 e que não estava sendo cumprido na fazenda) e os
integrantes do MST entraram na justiça de modo inovador e estratégico para
pedir o deferimento da liminar de reintegração de posse (como no direito reconfigurativo).Além
disso, do ponto de vista do direito, é mais do que óbvio que não é a lei 927 do
Código de Processo Civil que pode anular o dever da função social da
propriedade previsto no artigo 5 da Constituição Federal de 1988 (argumento
usado na defesa da reintegração da posse).Em síntese, pode-se afirmar que,
apesar de o direito configurativo mostrar-se presente à medida que, muitas
vezes, tribunais ainda tentam legitimar o abismo da desigualdade, o direito
reconfigurativo vem se tornando cada vez mais forte e ganhando resultados
positivos para diminuir a desigualdade como no caso dessa grande vitória do
julgado a favor do deferimento da liminar de reintegração de posse na Fazenda
Primavera.
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