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sexta-feira, 29 de junho de 2018

Direito: da desigualdade à justiça


            Para entender a questão do julgado da Fazenda Primavera é importante primeiro fazer um paralelo com os estudos de Boaventura de Sousa Santos e da sua teoria dos três tipos do direito (direito configurativo, prefigurativo e reconfigurativo). De início, o direito configurativo é o direito como espelho das relações de poder presentes na sociedade e, para Santos, como no início um pequeno grupo se aproprio do direito, concentrando o poder em suas mãos (o grupo chamado de 1%), o direito desde então se tornou elitista e todas as relações jurídicas se pautavam na legitimação dos atos dessa parcela da população e na sua proteção. Em seguida, o direito prefigurativo é o direito como antecipação de uma sociedade diferente. Por fim, o direito refigurativo é o direito como agente das mudanças na sociedade, ou seja, os grupos indignados procuram como modo de ascensão social os tribunais, além do reforço de pressões políticas realizadas por esses grupos para também atingir essa esfera. Relacionando tais ensinamentos com o julgado em questão, é importante frisar no direito configurativo e reconfigurativo em uma junção para explicar o fenômeno.
         Na questão do julgado da Fazenda Primavera é claro que os proprietários da fazenda são os chamados de 1% e o MST pode ser considerado os indignados (ou os 99%). Dessa forma, o MST, frente a uma realidade de desigualdade e injustiça, age com a ocupação de uma área da fazenda que não estava sendo utilizada (pressão política) como modo de protesto, sendo que o proprietário entrou na justiça e, inicialmente, foi concedida a reintegração de posse, o que mostra a tendência dos 1% sempre tentarem legitimar suas ações para manter a desigualdade (como abordado no direito configurativo). Porém, como Boaventura bem ensina, os tribunais são cheios de contradições e os oprimidos devem usar tais contradições para entrar na justiça de modo inovador, e assim foi feito: a contradição presente na primeira instância julgada é clara (o proprietário só terá direito à terra se ela cumprir sua função social, algo que está previsto desda Constituição de 1934, mantido na de 1969 e continua em vigor na atual Constituição de 1988 e que não estava sendo cumprido na fazenda) e os integrantes do MST entraram na justiça de modo inovador e estratégico para pedir o deferimento da liminar de reintegração de posse (como no direito reconfigurativo).Além disso, do ponto de vista do direito, é mais do que óbvio que não é a lei 927 do Código de Processo Civil que pode anular o dever da função social da propriedade previsto no artigo 5 da Constituição Federal de 1988 (argumento usado na defesa da reintegração da posse).Em síntese, pode-se afirmar que, apesar de o direito configurativo mostrar-se presente à medida que, muitas vezes, tribunais ainda tentam legitimar o abismo da desigualdade, o direito reconfigurativo vem se tornando cada vez mais forte e ganhando resultados positivos para diminuir a desigualdade como no caso dessa grande vitória do julgado a favor do deferimento da liminar de reintegração de posse na Fazenda Primavera.

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