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domingo, 11 de março de 2018

Encarceramento para uns, medicamento para outros

  Na canção de 2006, chamada " O Bagulho é Doido", MV Bill diz: "Se os homi chegasse e nós dois rodasse, somente o dinheiro iria fazer com que eu não assinasse. Pra você? Tá tranquilo, nem preocupa; sabe que vai recair sobre mim a culpa. Me levam pra cadeia, me transformam em detento. Você vai pra clínica tomar medicamento."

  MV BIll, notório cantor da cena do rap nacional estaria agindo como um bardo das ruas e cantando sobre uma realidade que não existe, apenas para ganhar pelo carisma um determinado grupo social? Ou estaria narrando a grotesca discrepância na aplicação do Direito no Brasil?

  A busca por historias que possam ilustrar esta diferença de tratamentos ainda pode ser frutífera, mesmo quase doze anos após o lançamento do álbum que contém a música.

  Na manhã do dia 12 de janeiro de 2016, o jovem catador de lixo, Rafael Braga, que havia alcançado relativa atenção da mídia, pois fora o único condenado por envolvimento nas grandes manifestações de 2013, foi preso por tráfico de drogas ao portar 0,6 gramas de maconha e um rojão (apesar de no laudo policial constarem 9,3 gramas de cocaína, este fato é negado inclusive pela equipe da polícia militar que o deteve). No dia 20 de abril de 2017, Braga foi condenado a 11 anos e 3 meses de reclusão em regime fechado e pagamento de 1687 dias-multa por tráfico de drogas e associação ao tráfico.

  Após forte pressão de movimentos sociais e defensores públicos, Rafael teve a prisão domiciliar concedida pelo STJ em 13 de setembro de 2017. O caso ainda não foi totalmente concluído, com reviravoltas podendo acontecer a qualquer momento, contudo, o fato a ser elencado é a morosidade do processo que levou mais de um ano até que ocorresse o julgamento em primeira instância e a pequena quantidade de entorpecente.

  No dia 08 de abril de 2017, Breno Fernando Solon Borges, de 37 anos, filho de uma desembargadora do TRE-MS, foi preso com 130 kg de maconha, 199 munições de fuzil e uma pistola. Após ficar 3 meses detido provisoriamente, Breno foi considerado incapaz de responder por seus atos e transferido para uma clínica no interior de São Paulo, mesmo com psicólogos alegando que o suposto transtorno borderline não justificaria este tipo de atitude.

  Breno foi transferido para o presídio de Tres Lagoas após pedido do Ministério Público Estadual do Mato Grosso do Sul, mas foi solto novamente em janeiro de 2018. Breno foi preso novamente em 09 de março de 2018 por tráfico de drogas, desta vez com 10kg de maconha.

  Dois condenados pelo mesmo crime, um portando mais de 216 mil vezes mais entorpecente que o outro. Mas quem sofreu com a pesada mão da justiça foi o indivíduo com menos entorpecente.

  A discrepância entre o tratamento de duas pessoas com diferentes níveis de recursos financeiros e influência social, mas que cometeram o mesmo crime, pode sem dúvida alguma ser relacionada com a canção de mais de uma década atrás. Rafael foi transformado em detento, Breno foi internado para tomar medicamento.

  Até quando o judiciário irá atacar somente os mais fracos? Porque há tal diferença na velocidade dos processos, assim como seus resultados? Inúmeras perguntas podem surgir, assim como uma miríade de respostas para cada uma delas. Contudo, há uma resposta simples: o grupo social de Breno detém o poder, o de Rafael não. Tal situação está longe de ser mudada, mas para muda-la, é indispensável que haja a ocupação do Direito pelas esferas da sociedade que foram marginalizadas, somente assim, novas atrocidades judiciais como esta não ocorrerão.

     Caíque Barreto da Silva - Matutino


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