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segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Educadores, uni-vos!

Um dos temas centrais do método marxista versa sobre a relação estabelecida entre sujeito e objeto. Fala-se a respeito da necessidade de o pesquisador ser um sujeito rico para uma análise adequada. Uma das formas de se enriquecer é através do conhecimento da cultura que certa pessoa está inserida em determinado momento histórico. Para esse método, a arte, por exemplo, pode ser considerada uma forma válida para ser utilizada na compreensão de algum fenômeno. É a compreensão de que se deve estudar a realidade sem, necessariamente, fracionar seus dados em caixinhas conforme o campo do conhecimento, - uma ideia defendida por Descartes em “O Discurso do método”- e que é preciso levar em consideração outros elementos, já que há sempre a adoção de uma perspectiva de classe que influi na posição ideológica relativa àquilo que está sendo estudado. Assim como Engels e Marx se aproveitaram de diversos elementos literários em seus escritos e optaram em escrever sobre a classe trabalhadora no meio da classe trabalhadora, existem pessoas que estão se aproveitando de elementos “vulgares” como finalidade pedagógica para explicar as obras e posicionamentos de diferentes pensadores.

Um dos vídeos que mais chamaram a atenção nos últimos meses, foi produzido no YouTube e postado em um canal chamado “Audino vilão”, em que seu idealizador, Marcelo Marques, jovem estudante de História de 19 anos, apresenta o pensamento de diversos filósofos e outros intelectuais importantes como Aristóteles, Maquiavel e Nietzsche, por meio de gírias paulistas e usando a aplicação de exemplos atuais para os jovens da periferia possam compreender melhor personalidades históricas famosas que produziram obras consideradas difíceis e herméticas para muitos. É uma forma de adaptar e disseminar ideias importantes para grupos periféricos que geralmente foram alijados de processos educacionais verdadeiramente enriquecedores, eficientes e libertadores. Para Marcelo, que comparou Aristóteles a um coach, chamou o Príncipe de Maquiavel de pilantra e disse que Nietzsche era “o famoso roba brisa”, o seu trabalho está muito ligado a ideia que “a demanda por filosofia não é demanda de classe social, mas da humanidade.”

O mais interessante é que um dos vídeos mais famosos trata justamente de Marx e Engels. Ele explica que o conceito de “coletivização” é: “a favela indo pra cima, falando que é nóis que manda, nóis que vai produzir e poucas ideia”. Ele explica a mais valia usando como exemplo as entregas de comida via aplicativos como IFood e Uber Eats pelos motoboys da “quebrada”: “[Mais valia] é você ganhar 5 conto pra fazer a entrega sozinho, do que vc ir lá, ganhar 3 real e ficar 2 pro mano do aplicativo. Mais valia é você ir no seu corre sozinho, e fazer por você do que você deixar os outro tirar o dinheiro que é seu”. Por mais que a abordagem pedagógica de “Audino vilão” não seja perfeita, ela pode ser vista com bons olhos, conforme o historiador Leandro Karnal disse para o próprio Audino em uma live em seu canal no YouTube: “Certamente dá pra debater muito, mas a atual maneira de pensar história e filosofia está reforçando a sociedade excludente, racista, preconceituosa e tá dando no que deu. Então, temos que pensar em algo diferente. Eu acho que você deveria ser debatido no plano nacional curricular.”

O trabalho de “Audino vilão” é importante porque ele levanta algumas questões importantes que estão relacionadas com a ideia trazida por Richard Sennett em sua obra “A corrosão do caráter”: o pensamento e “forma de ser” da classe dominante é o pensamento e “forma de ser” dominante na sociedade. Como a produção intelectual e acadêmica geralmente acaba se relacionando diretamente com a classe dominante da sociedade – seja pela contratação de egressos de universidades de ponta por grandes empresas ou até mesmo pelo financiamento privado em alguns setores de pesquisa ao redor do planeta - é natural que a produção de professores, por estarem inseridos na academia e, por extensão, em uma sociedade dominada por visões de mundo burguesas, mimetize as estruturas arcaicas de transmissão do conhecimento. Dessa forma, quando muitos se deparam com exemplos trazidos por alguém que ousa romper com os moldes tradicionais de aula, é previsível críticas relacionadas a variação linguística muito presente na periferia e exemplos que carecem de precisão técnica. Seria importante que os críticos de “Audino vilão”, ao falarem sobre o trabalho do jovem professor, considerassem os aspectos positivos de seu trabalho não só porque ele ajuda diversas pessoas, especialmente as mais jovens e pertencentes a classes sociais mais periféricas, na compreensão de pensadores importantes na formação de um ser humano com um maior senso crítico, mas também porque ele integra saberes – conhecimento acadêmico e realidade social – e, através dessa complexidade, ajuda na construção de um processo educacional de eficiente para o país.

 

DIOGO PERES TEIXEIRA – 1º ANO MATUTINO


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