Um dos temas centrais do
método marxista versa sobre a relação estabelecida entre sujeito e objeto.
Fala-se a respeito da necessidade de o pesquisador ser um sujeito rico para uma
análise adequada. Uma das formas de se enriquecer é através do conhecimento da
cultura que certa pessoa está inserida em determinado momento histórico. Para esse
método, a arte, por exemplo, pode ser considerada uma forma válida para ser
utilizada na compreensão de algum fenômeno. É a compreensão de que se deve
estudar a realidade sem, necessariamente, fracionar seus dados em caixinhas conforme
o campo do conhecimento, - uma ideia defendida por Descartes em “O Discurso do
método”- e que é preciso levar em consideração outros elementos, já que há
sempre a adoção de uma perspectiva de classe que influi na posição ideológica
relativa àquilo que está sendo estudado. Assim como Engels e Marx se
aproveitaram de diversos elementos literários em seus escritos e optaram em
escrever sobre a classe trabalhadora no meio da classe trabalhadora, existem
pessoas que estão se aproveitando de elementos “vulgares” como finalidade
pedagógica para explicar as obras e posicionamentos de diferentes pensadores.
Um dos vídeos que mais
chamaram a atenção nos últimos meses, foi produzido no YouTube e postado em um
canal chamado “Audino vilão”, em que seu idealizador, Marcelo Marques, jovem estudante
de História de 19 anos, apresenta o pensamento de diversos filósofos e outros
intelectuais importantes como Aristóteles, Maquiavel e Nietzsche, por meio de
gírias paulistas e usando a aplicação de exemplos atuais para os jovens da
periferia possam compreender melhor personalidades históricas famosas que
produziram obras consideradas difíceis e herméticas para muitos. É uma forma de
adaptar e disseminar ideias importantes para grupos periféricos que geralmente foram
alijados de processos educacionais verdadeiramente enriquecedores, eficientes e
libertadores. Para Marcelo, que comparou Aristóteles a um coach, chamou o Príncipe
de Maquiavel de pilantra e disse que Nietzsche era “o famoso roba brisa”, o seu
trabalho está muito ligado a ideia que “a demanda por filosofia não é demanda
de classe social, mas da humanidade.”
O mais interessante é que um
dos vídeos mais famosos trata justamente de Marx e Engels. Ele explica que o
conceito de “coletivização” é: “a favela indo pra cima, falando que é nóis que
manda, nóis que vai produzir e poucas ideia”. Ele explica a mais valia usando
como exemplo as entregas de comida via aplicativos como IFood e Uber Eats pelos
motoboys da “quebrada”: “[Mais valia] é você ganhar 5 conto pra fazer a entrega
sozinho, do que vc ir lá, ganhar 3 real e ficar 2 pro mano do aplicativo. Mais
valia é você ir no seu corre sozinho, e fazer por você do que você deixar os
outro tirar o dinheiro que é seu”. Por mais que a abordagem pedagógica de “Audino
vilão” não seja perfeita, ela pode ser vista com bons olhos, conforme o
historiador Leandro Karnal disse para o próprio Audino em uma live em seu canal
no YouTube: “Certamente dá pra debater muito, mas a atual maneira de pensar
história e filosofia está reforçando a sociedade excludente, racista,
preconceituosa e tá dando no que deu. Então, temos que pensar em algo
diferente. Eu acho que você deveria ser debatido no plano nacional curricular.”
O trabalho de “Audino vilão” é
importante porque ele levanta algumas questões importantes que estão
relacionadas com a ideia trazida por Richard Sennett em sua obra “A corrosão do
caráter”: o pensamento e “forma de ser” da classe dominante é o pensamento e “forma
de ser” dominante na sociedade. Como a produção intelectual e acadêmica
geralmente acaba se relacionando diretamente com a classe dominante da
sociedade – seja pela contratação de egressos de universidades de ponta por
grandes empresas ou até mesmo pelo financiamento privado em alguns setores de pesquisa
ao redor do planeta - é natural que a produção de professores, por estarem
inseridos na academia e, por extensão, em uma sociedade dominada por visões de
mundo burguesas, mimetize as estruturas arcaicas de transmissão do conhecimento.
Dessa forma, quando muitos se deparam com exemplos trazidos por alguém que ousa
romper com os moldes tradicionais de aula, é previsível críticas relacionadas a
variação linguística muito presente na periferia e exemplos que carecem de
precisão técnica. Seria importante que os críticos de “Audino vilão”, ao falarem
sobre o trabalho do jovem professor, considerassem os aspectos positivos de seu
trabalho não só porque ele ajuda diversas pessoas, especialmente as mais jovens
e pertencentes a classes sociais mais periféricas, na compreensão de pensadores
importantes na formação de um ser humano com um maior senso crítico, mas também
porque ele integra saberes – conhecimento acadêmico e realidade social – e,
através dessa complexidade, ajuda na construção de um processo educacional de eficiente
para o país.
DIOGO PERES TEIXEIRA – 1º ANO
MATUTINO
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